O PELOURINHO LANDIANO DE BELÉM                                

                                                                Sérgio Martins Pandolfo*


                         A História não se escreve no condicional
                                          e sim no mais-que-perfeito”.
     
                                                                         SerPan



          No contexto geral da colonização portuguesa os largos e as praças sempre ocuparam lugar de destaque na vida quotidiana das vilas e cidades e eram, pelo geral, nominadas em função da atividade principal que lá se desenrolava; local de agregação e aglutinação do povo, a praça era palco e cenário essencial.da vida das pessoas. Dentre essas sobressaía como pioneira e imprescindível a Praça d’Armas, que abrigava os elementos de defesa do povoado e que, na Feliz Lusitânia da antanhidade belenense, situava-se dentro da área cercada e protegida do Forte do Presépio.
         Vencidos os primeiros momentos da fundação desse núcleo gerador de Belém, logo se formou, por fora, mas apegada ao forte, a primeira praça pública, que abrigava a população em suas manifestações cívicas, religiosas, profanas, punitivas e de lazer, bem como os primitivos prédios da administração civil e religiosa, a destacar a versão primitiva da Igreja da Sé, ainda longínqua de sua grandiosidade atual, representada quase que por uma ermida com paredes de pau-a-pique e cobertura de palha, mas já dedicada à devoção de N. Sra. da Graça; a Casa da Câmara e Cadeia, igualmente de rústica construção, ficava ali pelas ilhargas da igreja matriz, assim como a morada dos primeiros mandatários da nova colonial povoação.
           Com o rodar do tempo e o crescimento da população, até porque os indígenas – Tupinambás – foram a pouco e pouco se achegando e paulatinamente miscigenando com os brancos, assegurando o domínio daquele promontório nuclear da futura Sta. Maria da Graça de Belém do Grão-Pará, aquele primevo descampado extrínseco ao fortim se tornou o Largo da Matriz - esta agora já em melhor edificação de taipa-de-mão e cobertura de palha de pindoba -, do qual, e de forma centrífuga, se foram abrindo picadas e caminhos para abrigar as edículas destinadas aos animais e materiais e os casebres dos pioneiros lá viventes.
           A população, formada por portugueses livres e outros europeus, degredados, mamelucos (miscigenação branco-indígena), os naturais agregados e uns poucos escravos negros, cresceu rapidamente, passando a povoação de vila a cidade e já carecente de novos serviços e providências administrativas, dentre os quais a ereção do pelourinho, o que se deu mesmo ali, no centro do Largo da Matriz, que mais tarde passou a chamar-se Largo da Sé e, contemporaneamente, Praça D. Frei Caetano Brandão.
           As festas, principalmente religiosas, eram o momento de usufruírem todos de verdadeira liberdade, fora do trabalho, unindo brancos, negros e índios em sadia, amistosa e indistinta comunhão. Entre as festividades da colônia destacavam-se as cerimônias de supliciamento de bandidos, renegados e traidores do Reino, o que se fazia no pelourinho, símbolo do poder punitivo da Coroa. O levantamento do pelourinho fazia parte do cerimonial de domínio político, simbolizava o núcleo legal, expressava a autoridade real. Nele se infligia castigo aos que infringiam as leis.
           Na Idade Média a concessão do foral era acompanhada da edificação de um pelourinho, símbolo da autonomia e da jurisdição de um concelho (município). No séc. XV e na primeira metade do séc. XVI, consoante alguns historiadores, os pelourinhos deixam de estar associados à execução da justiça e adquirem um caráter prioritariamente simbólico e artístico, mormente durante o reinado de D. Manuel I, funcionando mais como símbolo da presença do poder régio.
           O pelourinho, ao contrario do tronco – utensílio de exercício do poder privado onde se castigavam os escravos rebeldes e fujões –, constituía símbolo do direito público. Já o dissemos, em outras páginas, que, em virtude de sua importância exponencial no dia-a-dia das sociedades daquela época, eis que servia como símbolo da autonomia municipal e da justiça, o pelourinho erguia-se soberbamente na praça principal da vila ou cidade – a simbolizar esta condição -, de ordinário à frente dos paços. “Levantar pelourinho” valia dizer receber foral de vila. Legalmente, para que tal ocorresse, fazia-se mister o real consentimento..
           Há relatos da grande atração que eram, para a população, tais seviciamentos na Praça da Matriz, Esse fato incomodava muito os sacerdotes que frequentemente se queixavam ao rei, pedindo a transferência do pelourinho para outro local, mas foi somente em 1757 que isso se deu, com a construção de nova praça no baluarte semicircular avançado sobre a praia da Baía do Guajará - de onde se descortinava belíssima visão da praça - que então servia de embarcadouro, a partir de um plano geral traçado por um dos “desenhadores” da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira, executado pelo notável arquiteto régio bolonhês Antônio Giuseppe Landi, que viveu no Grão-Pará entre 1753 e 1792, e nos deixou obras majestáticas, assim civis como religiosas (tais a Sé, igrejas de Santana, do Carmo, das Mercês, São João, Hospital Real, hoje Casa das Onze Janelas, Palácio dos Governadores), muitas ainda hoje insuperadas.
           O projeto centralizou o pelourinho de Landi em uma praça de mercado que ficava situada no final da travessa do Pelourinho, atual Travessa 7 de Setembro, cujo nome foi mudado em 1822, em homenagem à data da proclamação da Independência do Brasil. O monumento-símbolo de nossa condição de cidade foi magistralmente trabalhado por artesãos indígenas, com soberbos entalhes em peça nobre de pau d’arco e na forma de coluna dórica.
           Essa praça e sua base de baluarte (construção elevada sustentada por muralhas) e obviamente a própria coluna landiana não existem mais, só restando deles evocativas estampas que os retratam mais ou menos fielmente.

Nota: Na foto ao alto: Praça do Pelourinho com a coluna landiana ao centro e saída do bergantim de guerra n° 1 na Baía do Guajarrá. Belém - PA, 1784. Desenho à pena, aquarelado, de J.J.Codina.
--------------------------------------------------------------------
*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES/IHGP
E.mails: sergio.serpan@gmail.com - serpan@amazon.com.br
Site: www.sergiopandolfo.com


Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 26/07/2011
Reeditado em 30/08/2011
Código do texto: T3120788
Classificação de conteúdo: seguro