MARX E AS RELIGIÕES

Quando se recorda Marx muitos religiosos se assustam. Ele é um dos críticos considerados mais virulentos das religiões. É universalmente conhecida sua declaração de que “a religião é o ópio do povo”. Além disto, descrevendo a exploração dos trabalhadores proletarizados em meados do séc. XIX, mostra as opressões no mundo do trabalho no início da industrialização dos países europeus. Para explicar o sofrimento e as injustiças causadas por estas opressões, Marx explica que estas opressões correspondem a correntes (de escravidão) que oprimem aos trabalhadores. E o que fazem as religiões? Em vez de denunciarem estas correntes e ensinarem aos homens a se libertarem de suas algemas, plantam flores que encobrem as misérias da opressão. Estas flores, isto é, os ensinamentos religiosos consoladores, que prometem o paraíso na outra vida, como que anestesiam o instinto de revolta dos trabalhadores frente às injustiças dos donos do pode econômico capitalista. Desta forma, novamente, as religiões alienam os trabalhadores frente à sua realidade de injustiças e opressão. Mesmo com esta compreensão, Marx não se transforma simplesmente num antireligioso ou ateu militante. Está ciente de que não adianta arrancar as flores que recobrem as correntes. Pois, sem as flores, as correntes da opressão ainda seriam mais cruéis e desumanas, já que privariam os trabalhadores de suas imaginárias ilusões de fuga da realidade e refúgio na esperança de um paraíso, sem opressões e injustiças, depois desta vida neste vale de lágrimas. Marx confia que as formas de alienação religiosa recuariam automaticamente na medida em que o homem conseguisse quebrar as algemas que o acorrentam.

Para compreender bem Marx, é preciso situá-lo em seu tempo. O que ele propriamente critica é a expressão religiosa de seu mundo cultural, quando imperadores e reis, em nome da religião, justificavam o seu poder e o poder econômico da burguesia, dona dos meios de produção. No mundo do trabalho ainda não havia leis, nem respeito humanitário. Vigoravam as leis da selva, os mais fortes se impondo e desejando que os mais fracos perecessem. A maioria da população era ignorante, sem acesso à educação e às escolas. Em um tal mundo as religiões, que em geral se situavam ao lado dos poderosos, tinham campo aberto para pregarem o conformismo e a fé esperançosa em um Deus milagreiro que os libertaria desta vida de misérias terrenas num céu pleno de felicidades. A crítica marxiana à religião situa-se, portanto, especialmente na forma como a religião era pregada ao povo: pessimismo na capacidade de o homem organizar seu mundo com justiça; esperança constante em milagres divinos; conformismo com a situação de miséria; submissão a autoridades corruptas e tirânicas; suspeita em relação às capacidades cognitivas da razão; indiferença em relação à falta de escolaridade do povo. A filosofia e a consciência crítica eram vistas como prostitutas da fé. Grande parte dos pregadores rebaixava o maior valor com que Deus presenteou o homem: a razão. De forma irresponsável ocultam ao povo uma parte fundamental da teologia dos Apóstolos Pedro e Paulo, que ensinam: O homem deve ser capaz de dar razões de sua fé; o culto deve ser racional; aquilo que podemos conhecer do Deus invisível está manifesto no mundo visível. E se olharmos para alguns dos aspectos da crítica marxiana às religiões, Marx continua muito atual em nosso tempo. Basta observarmos algumas propostas de vida religiosa na televisão para nos convencermos de que, nunca como hoje, a humanidade necessita de outros pensadores com o vigor das críticas marxianas a certas pregações religiosas.

Inácio Strieder é professor de Filosofia- Recife-PE