Eu e Jessier Quirino

Como novo Coordenador de Literatura e Memória Cultural da Funesc, fui convocado por Lu Maia, sua presidente – juntamente com José Reinaldo T. de Souza, de nosso Acervo Musical, e a jornalista Mirna Barbosa, de nossa Assessoria de Imprensa – para mediar um bate papo entre o arquiteto, poeta-escritor e ator Jessier Quirino, ocorrido recentemente na Sala Verde da Fundação Espaço Cultural da Paraíba durante sua passagem por João Pessoa (PB).

Conheci Jessier anos atrás, quando ele, sem saber, entre amigos comuns, já ensaiava suas primeiras apresentações contando-nos os causos matutos mais engraçados como somente um grande ator poderia fazer.

Trocamos algumas harmonias no violão ocasionalmente – porque ele também é músico – e depois de dividir com ele edições de nossos livros pela Bagaço, "num estalar de dedos" Jessier ficou famoso, cheio de compromissos agendados, estando agora voando pra lá e pra cá de Itabaiana (PB) à realização de seus shows Brasil afora, e já um tanto fora dele.

Itabaiana é a terra que ele escolheu pra morar, na tranquilidade onde “se esconde”, como diz ele, a maiores concentrações e ensaios.

Apesar de vermos por aí muitos “espetáculos” sendo anunciados, espetáculo é Jessir Quirino se apresentando no palco. Porque ele é bem capaz de fazer ressuscitar de rir o pior dos carrancudos quando, por exemplo, cita os quase duzentos sinônimos de “cu” – tendo eu sabido que já aumentaram pra mais de quase quatrocentos! Ou quando conta a história daquele corno como poucos são capazes de suportar ser, entre outras anedotas e historietas de matutos que não apenas nos trazem alegria e saudade, mas também nos informa sobre características de certas culturas de outrora, ainda às vezes tão presentes sertões à dentro.

Mas, como reconhece a sabedoria popular, tudo tem seu valor, e a superioridade dos valores se estabelecem sempre quando submetidos a circunstâncias. Exemplo típico é o valor do homem letrado com o balseiro analfabeto que contam por aí.

- Sabes ler? – pergunta o homem letrado.

- Não – responde o balseiro.

- Então perdeste metade de tua vida – diz o letrado.

Quando por acidente a jangada vira no meio do rio, o balseiro grita:

- Sinhô sabe nadá?

- Não! – desesperou-se o intelectual, a quem o balseiro anunciou:

- Intão o sinhô vai perder toda sua vida.

Em meio da descontração inicial que Jessier provocara; numa provocação a uma discussão mais séria sobre os valores das culturas, perguntei a ele sobre o que deveríamos preservar da cultura popular, em detrimento do que nos diz dever ser superado dela a erudição como promovedora do desenvolvimento de culturas superiores.

Para fundamentar melhor o que quis perguntar a Jessier, ilustrei a pergunta citando a evolução do ambiente dos banheiros, uma clara expressão da evolução da cultura popular da defecação, por exemplo – um ato inicialmente naturalmente fisiológico-animalesco, mas que finalmente, graças aos avanços cognitivos e das técnicas da civilização e da evolução humana, pode agora ser efetuado num ambiente de onde muitas vezes não desejamos sair.

Mas o bom mesmo do papo sempre bem humorado com Jessier é saber dele e, principalmente, por ele, todas aquelas coisas que deveremos preservar da cultura popular; todas aquelas palavras, gestos e objetos forjadas a partir do interior das pessoas simples espalhadas nos interiores desses Brasis, golfadas da simples natureza viva andando em grandes sertões e veredas que, aos poucos, paraibanos citadinos da gema – e já uns tantos interioranos – não fosse o talento e os esforços de poucos outros como Jessier, terminariam por esquecer.