Deus não existe

Se já queria mudar meu nome para “Archidy Picado Órfão” por causa da morte de meus pais, depois de ter visto ontem um documentário sobre as descobertas do astrofísico quântico cosmológico tetraplégico Stephen Hawkings sobre a origem do Universo, como pretenso deísta cristão me sinto agora mais órfão do que nunca.

Vítima de esclerose lateral amiotrófica, dizem que, em relação à capacidade da mente a movimentações na mecânica do corpo que a abriga, Hawkings só consegue mover três dos dedos de uma de suas mãos – os quais muitos brincalhões reconhecem instrumentos expressivos da sabedoria da “Santíssima Trindade” a lhe inspirar descobrir o fato de que, entre muito do que existe, Ela não existe.

Com seus três dedos e acessos a teclas de um computador, acoplado em sua cadeira de rodas – que, agora, pode estar transmitindo o que vem diretamente de seus pensamentos! – Hawkings consegue ir longe (se há mais para onde ele possa ir) auxiliado por sua incrível sensibilidade e a gigantesca capacidade cognitiva de sua mente.

Isenta de lhe possibilitar comandar certos movimentos físicos, a mente de Hawkings faz, todavia, com que aquele prisioneiro numa cadeira de rodas consiga mesmo ir mais longe do que qualquer caminhante ou corredor possa ir.

Nas andanças de sua mente por dentro e por fora do Universo, Hawkings parece ter chegado finalmente à conclusão das reflexões que, do primeiro “eu penso!” ao último pretendido respeitoso silêncio, motivaram tantos curiosos a primeiro crerem nas influências dos deuses da terra e do céu e, depois, a quererem saber a Verdade sobre suas origens e as origens de tudo.

Com medo de perder poderes e privilégios, a Igreja Católica – como ainda hoje, entre alguns outros partidos cristãos – reivindicou violentas retaliações contra aqueles que, heréticos livres-pensadores cientistas, queriam destituir a Terra e o homem de sua pretendida posição central no Universo a colocá-los em seus devidos lugares no contexto cósmico.

E então partiram os homens, entre o medo e a prepotência, ao estabelecimento de seu lugar no Universo e na Vida.

Nesse caminhar, entre aqueles curiosos o bastante para, como Hawkings, terem conseguido irritar os deuses e seus representantes temporais (a ponto de Hawkings ter sido “punido” a desenvolver sua avassaladora enfermidade), sem terem quaisquer meios instrumentais a não ser a sensibilidade e a inteligência, muitos antigos descobriram exatamente o que ele descobriu, ou Einstein “minutos” antes dele, entre muitos outros desbravadores dos mistérios da Vida e da morte: Deus não existe!

E não existe basicamente porque, nos confins de um buraco negro onde tudo pareceu ter começado e vai terminar – somente o nada pode continuar a existir, embora, como foi observado, possa o nada fazer principiar certos elementos em universos quânticos subatômicos.

Assim, segundo Hawkings – que agradece a única oportunidade que, como todos nós, ele teve de ter estado vivo a conhecer o Universo que tanto o encantou a se fazer e refazer do nada – Deus não existe como “princípio” de tudo por uma razão “muito simples”: no interior de um buraco negro sequer existe o Tempo a fim de que pudéssemos mensurar um princípio para a existência de tudo a então estabelecer presença de algo, ou de algum deliberado Criador antes de tudo vir a ser, cuja história, assim como a história que escrevesse, pudesse ter um princípio.

Como Hawkings, compreendo que assim tenha sido e que ainda seja.

Entretanto, mesmo tendo descoberto o fato de que todo o Universo e nós viemos do nada, Hawkings e seus herdeiros nunca poderão contrariar a certeza de que a história foi e está ainda sendo contada a mostrar que, agora, todo Universo e, com ele, nós e, conosco, Deus, existimos.

Porque a força da Vida se demonstra eterna assim na terra como no céu.

Mesmo que ela não seja nenhum Deus.

Mesmo para os órfãos.