A ESPADA DE TORANAGA
Mister dono do mundo era um homem inteligente, seguro
de si, sem as dúvidas e inseguranças que caracterizam meros
mortais.
Nas escolas, colégios e universidades por onde passou, foi
aluno brilhante, demonstrando óbvia e inegável capacidade
cognitiva. Sem titubear, resolvia complexas questões da Física,
Matemática, e outras matérias. Em decorrência disso, se
transformou num guru da Matemática Financeira, colecionando
diplomas de Bacharelado, Mestrado, Doutorado, e pós-Doutorado.
Eventualmente, seu impoluto currículo acadêmico o capacitou
a adentrar as vetustas muralhas de poderosa instituição financeira
estatal. Nela ele mostrou de que era feito. Meteoricamente galgou
as escadas da competitiva estrutura hierárquica daquela corporação
capitalista.
Já seguramente sentado no trono do poder administrativo,
Mister dono do mundo passou a se comportar como um verdadeiro
trouble shooter, mas não somente isso. Em relação aos demais
funcionários da empresa, ele se comportava como um senhor
feudal, exigindo obediência de vassalos. No entanto, seu
mandonismo coronelista não se restringia tão somente aos
domínios daquela poderosa estatal. Em casa ele exigia irrestrita,
total submissão da parte de sua mulher, empregada e filhos. Em
assim sendo, ele se sentia um completo dono da situação, um
supremo e temido daimio.
Durante muitos anos ele reinou supremo, e tudo acontecia
como ele queria. Jamais ele usava as palavras "por favor" e
"obrigado". Isso era vocabulário de vassalos. Ele era um senhor
feudal, um Toranaga. Pode-se afirmar que ele era uma mistura
de senhor feudal e papa medieval, um tipo de Rodrigo Borgia do
século vinte e um.
Entretanto, como já asseverou Machado de Assis, o tempo é
um químico invisível que a tudo consome. Com o passar dos dias,
meses e anos, ele consolidou sua reputação de ótimo administrador
financeiro, irredutível em suas decisões. Finalmente, chegou o dia
de sua aposentadoria. Ele saiu da empresa, deixando para trás uma
belíssima folha corrida.
Agora, já bem mais velho, recebendo uma baita aposentadoria,
o senhor feudal só podia mandar nos membros de sua família, e na
empregada. No entretanto, alguns de seus filhos e filhas já haviam
se formado em ótimas universidades, se casaram, e foram cuidar de
suas vidas. Sobrou menos gente para ele dominar.
Certo dia ele notou que seu corpo não estava funcionando
de maneira adequada. Então o senhor feudal foi a um ótimo
médico. Esse lhe disse que ele teria que fazer alguns exames,
inclusive de sangue. Os resultados revelaram que Toranaga havia
sido acometido de um violento tipo de diabetes. De agora em diante,
até o final de sua vida, ele teria que tomar injeções de insulina, e se
submeter a um rigoroso regime alimentar. O poderoso senhor
feudal, acostumado a ser incontinentemente obedecido, a partir
daquele momento, passou a obedecer às ordens médicas, se
quizesse continuar vivendo mais alguns anos.
Como a vida é cheia de ironias e arapucas, aquela modalidade
de diabetes começou a afetar a visão do velho daimio. O resultado
final foi que ele ficou completamente cego, e sexualmente
impotente. Para um machão de sua estirpe, ficar irreversivelmente
cego e impotente equivalia a ser transportado para o inferno de
Dante, um inferno medieval, de onde ele sairia somente através dos
corredores da morte.
Com o passar do tempo, o poderoso senhor feudal aquilatou
a verdadeira dimensão de sua vida. Na condição de cego, ele passou
a depender das pessoas. Ele deixou de dar ordens, e aprendeu a
dizer "por favor" e "muito obrigado", havendo inclusive aceitado
Jesus como seu salvador. A espada de Toranaga havia perdido seu
cortante poder.
IRAQUE