O RELÓGIO E O TEMPO

Durante milhares de anos o relógio da humanidade foi a própria natureza, seus fenômenos. Ao nascer do sol, começava-se a trabalhar, e terminava-se quando a nossa estrela de quinta grandeza se escondia no lado oeste.

Um dia, não sei quando, alguém inventou um gadget denominado relógio. Para quê? Deve ter sido para substituir o movimento do sol,

servir de referência, organizar o cotidiano da humanidade.

Daí o tal de tempo foi passando, e o homo sapiens se tornou escravo do relógio, servo das estruturas que aí estão, cada um levando sua chibatada do capataz capitalista.

No entanto, na minha anônima e desconhecida opinião, o bom dessa história é que o bicho homem se acostuma com tudo, até com a escravidão apelidada de liberdade. Será que estamos fadados ao condicionamento que nos transforma em máquinas desprovidas de vontade própria? Cada um responde como quizer ou souber. Eu apenas faço a pergunta.

O relógio tem certidão de nascimento, mas não o tempo.

Esse nunca nasceu, e jamais morrerá. Será que alguém sabe o significado do termo tempo? Estou ciente de que não sei. Os dicionários tentam DEFINIR esse conceito, mas aqueles são tremendamente limitados. Se constituem em tentativas de organizar, codificar um determinado idioma, sendo que esse transcende qualquer tentativa de condificação,

porque é filho do tempo e das circunstâncias, e esses são dotados de natureza dialética. Querer dogmatizá-los é o mesmo que tentar mudar aquilo que é caracterizado como natureza humana.

O ser humano e os relógios são perecíveis, mas o tempo jamais morrerá, já que ele nunca nasceu. A humanidade é semelhante a um sopro, uma rajada de vento. Hoje estamos na superfície. Amanhã,

querendo ou não, estaremos nos escuros subterrâneos de um koimeterion qualquer. Esse é o chamado óbvio ululante.

O tempo é semelhante à palavra: é uma faca de dois gumes. Com a palavra são erguidos impérios, e através dela essas mesmas arrogâncias imperiais caem por terra, como castelos de areia. O mesmo acontece com o tempo. Ele cria e destrói, traz alegrias, gargalhadas, e amargas lágrimas.

Dezembro, dizem, é o mês do aniversário de um homem que só desejou o bem. É época de usar os cartões de crédito a fim de comprar presentes, e manter a economia capitalista funcionando. Alguns ganharão vários tipos de gifts, até mesmo um lindo relógio Rolex. Depois disso, falam por aí, vem o tal de ano NOVO. Todavia, se, de acordo com o calendário Gregoriano, estaremos completando dois mil e doze anos de existência no planeta (alguns acreditam nisso, pode?), eu

diria que ou eu não estou entendendo nada, ou o relógio da humanidade

está atrasado, em descompasso com o cronômetro antropológico, esse que nos remete a milhões de anos às origens antropológicas.

Hoje em dia eu não quero saber de relógios. Apenas tento lidar com o tempo, essa atemporal realidade que transcende a matemática dos seres humanos. Repetindo o que já disse nosso escritor maior, eu

digo que o tempo é, realmente, um "químico invisível que a tudo consome", talvez a mais racional conceituação dessa realidade que cria e aniquila. Quem sou eu para contradizer o Machado? Se ele era mesmo de Assis, não sei, mas certeza tenho de que ele sabia lidar muito bem com as palavras. Só não sei se ele tinha um relógio, mas estou ciente do fato de que ele foi produto do passar do tempo, esse que nunca nasceu, e jamais morrerá.

IRAQUE

Iraque
Enviado por Iraque em 01/12/2011
Código do texto: T3366865
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