Cristina Guedes e o Imperador

Conheci a jornalista e escritora Cristina Guedes anos atrás, quando cursava Educação Artística na UFPB e ela, Comunicação Social.

Bonita e inteligente como toda mulher devia ser, dessas que uma loura ou uma morena burra passa perto se benzendo, Cristina ganhou prêmios em concursos literários, tendo mesmo conquistado reconhecimento em Portugal. Além disso, na qualidade de espiritualista, uma de suas vocações, Cristina Guedes me parece ter tido, como todo místico que se preza, grandes relações viscerais, extasiantes, na sensação d'Aquilo que se considera “O Sagrado”, a profundidade existencial primeira de tudo. Sabe, então, o valor de certas representações do que se considera “divino”, sendo tal “divino” fundador mantenedor de tudo o que luminosamente passou a se mover no gélido vazio tenebroso universal.

Também sinônimo de “magnífico”, “desejável”, “prazeroso”, divino é, assim se crê, tudo o que é necessária e essencialmente bom, sendo o melhor viver a Vida em sua plenitude; Vida que, em si mesma, é o valor absoluto pelo qual nada pode ser trocado – embora geralmente muito sacrifício se deva fazer para que se possam gozar os benefícios da Vida plena, em suas dimensões material e espiritual, sendo muitas dificuldades aumentadas por impérios de ignorância e violência – embora dificuldades naturais existam a talvez fazer-nos definir para nós mesmos por que estamos neste mundo.

Conversando com a escritora paraibana Marília Arnaud, ouvi dela que a angustiava a angústia do escritor paulista/paraibano WJ Solha, expressa em seus livros, quando a se reportar com seus personagens à degradação moral, cívica e física que todos passamos; entre elas a velhice e, para piorar a qualidade de vida dos idosos, suas consciências pesadas e a do absurdo da existência na ausência de “Deus”– embora talvez muito mais em Sua crível presença.

E então ali se determinou para mim a diferença entre a literatura masculina e a feminina – sem que seja justo fazer aqui nenhum juízo de valor sobre qual delas é melhor ou mais importante.

Entre escritoras, a maioria das mulheres, mesmo as mais cultas, centram suas atenções aos pragmatismos dos relacionamentos afetivos que têm com os homens, suas famílias e amigas. As mais universalistas estendem os problemas, próprios de relações irmãs, a toda humanidade – como a jornalista e escritora chilena Isabel Allende, entre outras. Nós, machos, por outro lado, considerados “homens”, temos nossas angústias geralmente centradas nas possibilidades ou impossibilidades de que haja um Deus a equilibrar-nos sobre o abismo, apesar da possibilidade de nossos livres arbítrios e da presença daquilo que consideramos os “malfeitos” do divino. Entre tantos, os insetos, talvez nós mesmos e as mulheres.

Entre sacrifícios a conquistas, porém, há aqueles que fazemos a procurar entender as diferentes competências de atuações dos gêneros, suas especificidades no estabelecimento de relacionamentos harmônicos, capazes de promover a coesão de forças para o desenvolvimento daquilo realmente valioso que, na dimensão do cotidiano, somos capazes de acrescentar à Vida. Dessa forma, concordo com a definição do perfil do Imperador nos movimentos arquetípicos da personalidade masculina, sobre quem Cristina Guedes discorre no site “Clube do Tarô”, no artigo com o título “Eu poderia pensar como um Imperador?”.

Aqui me interessa discorrer um pouco sobre seu conteúdo, que fala diretamente de minha condição masculina de potencial “imperador” – hoje um tanto frustrada por minhas participações humanistas adolescentes nas vivências em pioneiros movimentos feministas familiares.

O texto da escritora paraibana Cristina Guedes tem a intenção de esclarecer o significado de certos símbolos das cartas do Tarô e, na apreensão de seus significados, estimular novas atitudes as mulheres, instigar imitações de seus “imperadores” a serem reconhecidas imperiais; também em represálias a submissões aos mandos e desmandos de seus eventuais maus imperadores.

Além de escritora, na qualidade de Terapeuta Holística, entre suas visitantes pacientes – um tanto justamente impacientes – Cristina Guedes conta que, “quando o assunto é relacionamento e a figura central é a presença ou a ausência do masculino em suas vidas (quando não é? - pergunto eu), daí tudo para elas fica nebuloso, complicado, sofrido”.

Quando com elas, Cristina começa “desnudando o caráter supérfluo das tramas passadas pela consulente, para ela não cair na futilidade dos enredos futuros”; principalmente se esses enredos futuros as levarão a viver dramas passados, não sendo possível que, sem libertarem-se de preconceitos e se determinarem a novas ações, possam superar submissões a conquistar suas almejadas condições de “imperatrizes”.

Nessa necessária mudança de perspectivas, entretanto, há ainda que ser considerada a mudança do estereótipo do Imperador, tanto para “homens” que se dizem os tais quanto para as mulheres que desejam ser como eles.

Já disse que nada teria contra ser súdito de um rei justo. Porque, por princípios, como o Rei, com os auspícios de “justas divindades”, os imperadores devem encarnar a apresentação da Consciência suprema da irmandade universal de todas as formas da Vida presentes e, por sua via, a autoridade máxima a fazê-los capazes de promover humanidade e Justiça global. Não como fizeram (e fazem) sempre falsos imperadores aproveitando-se de influentes poderes políticos para tornarem-se o que, equivocadamente, todos os que almejam imperar pensam deverem ser: deuses ditadores vampiros da riqueza material e da alma de seus súditos que, enganados por sua aparência de poder e dignidade, não vendo neles a antítese representante da eterna Vida dadivosa, pensavam que tais reis imperadores os libertariam da perversidade dos maus e da miséria que, afinal, começaram também por promover.

A despeito de considerar que as mulheres não desejam o que desejam os “homens”, para que elas também saibam no que estão se metendo, e não cometam seus mesmos erros em seus intentos de conquistar impérios – aconselho expectação do filme que conta a lenda de Beowulf, abarrotado de representações simbólicas sobre como começam e terminam sendo as relações entre aqueles que almejam o “Poder” sem que ainda saibam exatamente o que ele é, ou o que fazer quando de posse dele – uma vez que anda longe da verdade o que deve fazer o Imperador – ou qualquer pretensa Imperatriz – descrito por Cristina Guedes, que se conforma em se sentar em seu trono, de pernas cruzadas “em forma de quatro” a simbolizar seu pretenso poder material na determinação das direções da vida terrena.

Porque tem que ralar muito um bom Imperador a poder fazer imperar o Bem em algum lugar deste mundo ainda tão cheio de imbecis e maldade.

Depois de muito trabalho, entretanto, ele haverá de esperar muitas vezes em vão um agradecimento vindo do povo a quem promoveu melhor qualidade de vida; ou mesmo um beijo de afeto daquela mulher que, sua imperatriz, o deveria fazer se sentir sempre um verdadeiro homem.

Porque é verdade: “as imperatrizes estão mais preocupadas consigo mesmas e menos em ficar mimando o imperador e fazendo suas vontades”, como disse certa candidata a Imperatriz num site de relacionamentos. Afinal, observa ela, “ele tem que procurar satisfazer as nossas vontades”.

O que, quase sempre, “o imperador” termina fazendo.