DO LIVRO...

O livro nada é senão um qualificado agente de transformação da história.

Eduardo Portela

A “Civilizalivrotura” – sociedade dos Livros – jamais cederá às complexas e racionalizadoras investidas da internetização, pior ainda: aos raios simplificadores da “lixenet”. O Livro é nosso artefato cultural deveras profundo e perene. Ele preserva de tudo, difunde o saber. Na República das Letras, a biblioteca é como um farol espargindo conhecimento e sabedoria.

Em recente entrevista, Marisa Lajolo foi contundente: “Não creio na extinção do livro impresso”. A lógica está com a senhora, mestra! Os “webnistas” nunca verão o funeral do Livro. Um desses, vice-presidente da Microsoft, declarou: “a partir de 2019, o verbete “livro” nos dicionários deverá trazer a seguinte definição: “importante obra escrita, geralmente acessível por intermédio de computador ou de equipamento eletrônico pessoal”. Aliás, Esse império digital do conhecimento é a grande utopia googleana. De primeiro, o interesse é comercial. Ora, empresas como o google, diz Robert Darnton, quando olham para bibliotecas não enxergam meros templos do saber. Veem ativos econômicos em potencial, aquilo que chamam de “conteúdo”, prontos para serem explorados”. Destarte, um segundo problema surge dessa engrenagem: metamorfose no funcionamento cerebral. Nicholas Carr é categórico: “havia me transformado em algo como uma máquina de processamento de dados de alta velocidade”. Na net, ondas de informações se superpõem, o instantâneo desconexo alimenta uma falsa sensação de liberdade. Entramos nos jogos das multitarefas navegando rumo ao superficial. Nos esquecemos da grande lição de Sêneca: “Estar em toda parte é não estar em parte alguma”.

O Livro impresso, ao contrário do on-line, nos convida à profundidade. O “agorismo” não tem lugar no trabalho com ele. O fluxo de análises se desenrola para muito além de fragmentos significativos. Na tela do computador, assegura Carr, “o garimpo superficial do conteúdo relevante substitui a lenta escavação do significado”. Nesse caso, não raro confundimos “descodificação” ligeira com leitura criticamente construída. O movimento próprio do Livro nada tem a ver com sobrecargas de informações, com redemoinhos digitais. Talvez David Brooks esteja certo: “a magia da era da informação é que ela nos permite saber menos”. Um ponto tão crucial como a concentração atenta, radical e rigorosa, infelizmente, é dilacerada por abordagens nervosas de impulsos eletrônicos. Fabrica-se uma ética intelectual cuja performance é o rebolar, digamos, de eficiências automáticas para se captar a “informação em surtos curtos”. Sem dúvida, na quietude do Livro, na leitura linear, na ausência de fadiga ocular, na mobilidade, na interatividade crítica, na comodidade para se folhear, na resistência, na conveniência, na dispensa a conexões ou redes, no descarte de upgrades, downloads ou boots e tantas outras coisas, assiste o segredo da superioridade do texto impresso. Não é à toa a confissão de Bill Gates: “Ler na tela ainda é uma experiência vastamente inferior à leitura de papel. Mesmo eu, que tenho telas caríssimas e gosto de me considerar um pioneiro do estilo de vida web, prefiro imprimir qualquer coisa que ultrapasse quatro ou cinco páginas. Assim posso carregar o texto comigo e fazer anotações”.

O ambiente digital, enfim, é médium de duas âncoras: brevidade e multiplicidade. A despeito de sua relevância, porta limites. Não se trata de um Livro, mesmo quando reproduz alguns. Diferentemente deste (Livro), a exigência maior da internet é o que ouso chamar de esquecimento compulsivo, posto o bater das teclas embalar as novidades que sempre se desmancham no ar. A decantada morte do Livro impresso, amigo, é deslavada ideologia do ciberespaço.