Escorregões da língua

ESCORREGÕES DA LÍNGUA

O célebre Pitigrilli († 1975) usava a expressão escorregões da língua de forma ambígua, para caracterizar, entre outras coisas, os erros no vernáculo. Observan-do o que se escuta por aí, eu fico estarrecido com o estupro diário que sofre a nos-sa língua pátria. Um comentarista esportivo disse jugar (por jogar), cabciar (por cabecear) e, como bom mineiro, choveno (por chovendo), jogano (jogando), e vai por aí. À vista desses desvios, conheci um pedante que recomendava: “Não maculemos o vernáculo com conspurcações deletérias”.

Os comunicadores erram tanto, que muita gente já não se sabe se é cidadãos ou cidadões, anciãos ou anciões, tama-nha a gama de escorregões por aí. O “ir ao encontro” também machuca muita gen-te. A grande maioria usa “ir de encontro...” Ora, quem vai de encontro é trem. Assim também estada e estadia. Luciano do Valle, da Band disse que “quando ele vim...” (ao invés de vier).

Por falar em pedantes, um dia desses, eu participei de um debate com futuros escritores e cronistas. Como sabem, eu coordeno “oficinas literárias” na área de contos e crônicas, e também para quem quer ser escritor. Pois nesse convescote cultural, lá pelas tantas apareceu uma moça, não sei convidada por quem, que se apresentou como “mestra em letras”, com uma verborragia copiosa, dizendo que ninguém sabe escrever, e que antes de querer escrever a pessoa devia estudar “letras”. Eu gostaria de fazer “letras” para melhorar minha caligrafia...

Ela deve ter se horrorizado quando falei que o escritor e o cronista não precisam saber muito de português, bastando que tenham idéias, que saibam criar e expor o pensamento. João Ubaldo Ribeiro é ruim de português, mas é um dos melhores escritores na-cionais.

Eventuais erros da linguagem são corrigidos pelos revisores, em geral especialistas em “letras” (??!). Todo o jornal ou editora tem vários desses. O talento de quem escreve está acima de seus escorregões. Minha mulher, revisora da minha obra, vai mais adiante e lança um veneno: para que pagar um revisor se o Word faz isto de graça?

Eu sempre digo que a preocupação de quem escreve é expor seu pensamen-to; se tiver erros, os outros que o corrijam. Criatividade em primeiro lugar. Pois a moça falou, criticou e botou defeito no trabalho dos literatos e no fim, ao sair disse que não podia esquecer o “seu óculos”. Médico, cura-te a ti mesmo!

Nas igrejas, por influência do feminismo das freiras, alguns dão “bom-dia a todos e todas”, ignorando que todos é um pronome indefinido, que abrange ho-mens e mulheres. Isso tudo é para mostrar como existem desvios da língua, e como ela se converte em armadilha para quem não tomou, em criança, “sopa de le-trinhas”.