Kapax e uma lição de morte

Para Augusto dos Anjos

Estava conversando com um conhecido de sessenta anos que me disse ter estado deprimido, motivo porque não o vimos mais num barzinho onde nos encontrávamos. Pois percebera que os efeitos do álcool somente agravavam sua tristeza ao lhe relembrar do que geralmente faz, quando em sua embriagada inconveniência.

Trancara-se em casa sem motivações para fazer qualquer coisa, a não ser fumar três carteiras de cigarros por dia e pensar nos prejuízos que o passado lhe rendeu e que, alimentando seu medo crescente, o futuro possa lhe render. Porque, agora, depois de ter feito “mais ou menos” seu papel de trabalhador, marido e pai, depois de ter escapado de um infarto e constatado estar convivendo com um enfisema pulmonar, ele anda com medo da Vida que, determinando tudo sem fazer plebiscitos a aprovação ou desaprovação de suas decisões, matara a mãe dele havia um ano, tendo já levado seu pai anos atrás – sendo a presença da morte, que nos diz todos covardes, a grande razão de sua depressão.

Tentando ajudá-lo – e a mim – tentei convencê-lo de que o mais importante é considerar o que ainda temos de bom no presente, já que nossa mente divaga do passado para o futuro “como se tivesse” vida própria. A despeito de que, em primeira e última instância, seja mesmo uma grande mente a nos comandar em seus vínculos com a mente que acreditamos nossa, parece que temos mesmo algum poder de decisão, e então sugeri ao deprimido que tentasse escapar do fluxo preocupante de suas memórias passadas e futuras à tentativa de viver o que ainda lhe resta de bom no presente.

Claro que minhas palavras não fizeram eco em sua cabeça. Porque ele, como a maioria de nós, quer apenas satisfazer sua necessidade imediata: ter alguém com quem possa desabafar – a despeito de sua necessidade de mais disposição para ouvir – e então ele não consegue se concentrar em nada, o que aconteceria somente se sua cabeça estivesse razoavelmente oca, não abarrotada de preocupações como está e como, infelizmente, ele não conseguirá fazer com que deixe de estar. Pois sei bem como é andar possuído pela tristeza, quando você considera qualquer sorriso a mais pura expressão da ignorância ou da loucura e fica “satisfeito” por suas pernas e pés parecerem de chumbo a não lhe possibilitarem dar um passo em direção daquele único abismo que você só consegue ver a sua volta.

Mesmo assim, lembrando uma cena do filme K-Pax – O caminho para a luz (EUA, 2001), quis dizer sobre como certa cena me esclareceu sobre nosso inútil medo da morte inevitavelmente contida na Vida. Estrelado pelo ator Kavin Spacey, K-Pax... conta história de um cara que é encontrado sem lenço e sem documentos numa estação de trem. Recolhido por policiais, é levado para um sanatório depois de declarar-se habitante de K-Pax, de onde veio e para aonde pretende voltar viajando por um raio de luz!

Ao longo do filme, seu psiquiatra (vivido pelo ator Jeff Bridges) descobre que aquele estranho maluco fora vítima do desespero ao se deparar, em casa, com o assassinato de sua esposa e filha, tendo ele ainda tido tempo de, ao chegar, matar o assassino de sua família – fato que, ao que parece, não livra o médico de descartar a possibilidade de ele ser mesmo (ou de estar possuído por um) alienígena.

O mais importante, contudo, é que a maioria dos internos acredita nele; e mais quando ele lhes promete que levará um deles com ele para K-Pax, o que supostamente acontece no fim do filme. Antes disso, entretanto, “o alienígena” atua a fazer com que certos doentes fiquem curados, sendo o mais interessante o caso de um hipocondríaco que, depois de morto por asfixia, imediatamente ressuscitado, vê-se livre de suas fobias para sempre: com a estripulia do habitante de K-Pax, eu disse ao deprimido, ele percebera quão estúpido é viver com medo da morte que há na Vida, sendo mais sensato e útil aproveitar os momentos de juventude e saúde que a Vida nos oferece e, no fim, entregarmo-nos as determinações daquela que nos pôs por aqui e que daqui nos tirará.