50 anos do maior discurso da história

Há cinquenta anos foi pronunciado aquele que talvez seja o discurso mais famoso de todos os tempos. Durante um evento intitulado “Marcha sobre Washington pelo Emprego e pela Liberdade”, o pastor batista Martin Luther King Jr. subiu nas escadarias do Lincoln Memorial e pronunciou o célebre “Eu tenho um sonho” (“I have a dream”).

A luta pelos direitos civis dos negros tomava novo impulso, tão forte que suas consequências podem ser vistas no rosto de quem ocupa hoje a Casa Branca. O movimento mostrou (assim como o de Gandhi na Índia) de forma indelével a força de protestos não-violentos e marcou um momento importante da igreja evangélica como uma organização voltada para os problemas da sociedade como um todo, sejam espirituais, sociais ou econômicos.

Harvard Sitkoff, professor de história da Universidade de New Hampshire, descreveu assim a reunião: “A adesão em 28 de Agosto de 1963 excedeu todas as expectativas. Quase um quarto de milhão de americanos, incluindo setenta e cinco mil brancos, desceram sobre Washington de avião e a pé, em vinte e dois comboios fretados, dois mil autocarros [ônibus] alugados e milhares de carros partilhados, naquela que era a maior manifestação alguma vez feita a favor dos direitos dos negros. O dia tornou-se uma celebração, um comício e um piquenique de igreja, um dia de música gloriosa – por vezes solene, outras vezes jubilosa”[1].

Depois de ler um discurso um tanto formal por cerca de sete minutos, a cantora gospel Mahalia Jackson gritou: “Conta-lhes o sonho, Martin”. Foi, então, que Luther King iniciou seu famoso discurso como se fosse um profeta do Velho Testamento. Como alguém disse, ele subiu ao púlpito como um líder dos negros americanos e desceu como um líder mundial. Veja trechos do discurso:

"Agora é o tempo de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os filhos de Deus. Agora é tempo para retirar o nosso país das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade".

"Temos de conduzir a nossa luta sempre no nível elevado da dignidade e disciplina. Não devemos deixar que o nosso protesto realizado de uma forma criativa degenere na violência física. Teremos de nos erguer uma e outra vez às alturas majestosas para enfrentar a força física com a força da consciência".

"Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano."

"Tenho um sonho que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: 'Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais'".

"Tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu caráter".

"Tenho um sonho que um dia todos os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas, os lugares ásperos serão polidos, e os lugares tortuosos serão endireitados, e a glória do Senhor será revelada, e todos os seres a verão, conjuntamente".

"Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao Sul. Com esta fé seremos capazes de retirar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de nossa nação numa bonita e harmoniosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a prisão juntos, ficarmos juntos em posição de sentido pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres".

"Esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado: 'O meu país é teu, doce terra de liberdade, de ti eu canto. Terra onde morreram os meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que de cada localidade ressoe a liberdade'".

"Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar de cada vila e cada aldeia, de cada estado e de cada cidade, seremos capazes de apressar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar as palavras da antiga canção negra: ‘Liberdade finalmente! Liberdade finalmente! Louvado seja Deus, Todo Poderoso, estamos livres, finalmente!’”.

[1] SITKOFF. Harvard. Peregrinação ao topo da montanha. Lisboa, Ed Bizâncio, 2009, p. 144.