Ramón Valdés, 90 (publicado originalmente em 3/9/2013)

Ao se fazerem listas dos melhores em determinada categoria (os três mais do futebol, livros, filmes, atores, atrizes etc) sempre desembocarão controvérsias, polêmicas, esquecimentos, injustiças e muito arrependimento futuro. Por exemplo: qual é o trio dos melhores comediantes do século 20, e aí incluo trabalhos em teatro, cinema, televisão? Nomes como Oscarito, Grande Otelo, Cantinflas, os gênios Charles Chaplin e Buster Keaton, Costinha, Chico Anysio, Ronald Golias, vão longe os nomes.

Muitos não elencam no panteão um grande e inigualável comediante-humorista: o mexicano Ramón Valdés. Ontem, até por isto esta minha homenagem, foi seu 90º aniversário, se estivesse vivo (ele morreu a 8 de agosto de 1988, aos 64 anos, de câncer no pulmão). O preconceito por ele não ser do cast hollywoodiano pode deixá-lo de fora dos figurões, mas Valdés faz jus a todas as honrarias que lhe possam atingir. Na sétima arte foram mais de 100 filmes em 35 anos de estrada (de 1949 a 1984).

A recordação maior dos espectadores, claro, recai sobre o personagem ‘seu Madruga’ (ou Don Ramón, no México). Criado por Roberto Goméz Bolaños, seu Madruga era um sujeito sem eira nem beira, vivia de muitos biscates e penava nas mãos de Dona Florinda (Florinda Meza) e do filho Quico (Carlos Villagran). Como demais habitantes da vila, tinha um traje fixo (camiseta preta, calça jeans e chapeuzinho azul de pescador). Sua personalidade ingênua e interesseira simultaneamente tinha fãs.

De família de artistas– tinha três irmãos atores– Valdés iniciou carreira no cinema ao lado de Germán, seu irmão mais velho, com algumas pontas. Somente vinte anos depois, em 1968, Bolaños o convidou a integrar elenco do humorístico ‘Os Supergênios da Mesa Quadrada’. Ladeado por Ruben Aguirre, como professor Girafales, Bolaños, como doutor Chapatin e Maria Antonieta Nieves (atuava como apresentadora – no seriado ‘Chaves’ foi a Chiquinha), eles parodiavam os debates da televisão.

Do programa veio o fruto bem citado: o seriado Chaves nasceu no comecinho dos anos 1970 e cativaram o país e, mais para frente, o mundo. Todos atores do elenco eram reverenciados por onde passassem. Valdés era, quem sabe, o mais. De humildade ultrajante, simpatia nababesca, o ator tinha a fama aos pés e merecidamente. Nas gravações, aquela roupa (camiseta preta e calça jeans) era sua mesmo, vinha assim de casa. A única indumentária dos sets era chapeuzinho. Ele era a simplicidade.

Em fins de 78 um desentendimento afastou C.Villagran do seriado. Valdés o acompanhou. Ao lado de Quico protagonizaram esquetes em outros canais, e em países da América do Sul (Venezuela, por exemplo), mas sem o sucesso espetacular do México. Pouco mais de um ano depois, seu Madruga retornava ao ‘Chaves’ num dos episódios mais emocionantes da trama. Lá Don Ramón ficou e em 79 ainda as gravações cessariam no modo dos 3 blocos com 8 minutos. Era fim. Uma despedida e tanto.

Então o ator fez aquilo que os demais também fizeram: montou um circo, viajou pelas nações de língua espanhola e arrecadou mais admiradores. Estes pediam, imploravam a volta das gravações tanto de ‘Chaves’ como de ‘Chapolin’. Em vão. A trupe já não tinha aquela união de outrora e o canal Televisa estava desgostoso com atrações de risadas. Poucos anos passaram e R. Valdés descobriu um tumor maligno no estômago. A doença estava no pulmão, alastrara. Vegetou nos derradeiros meses.

Vinte e seis dias atrás se completaram 25 anos de sua morte e pouca gente se lembrou. É o tal esquecimento proposital. ‘Chaves’ era um programa de recursos parcos, mas muito invejado por ter o reconhecimento que tinha. Valdés tampouco tinha abonos. Necessitava trabalhar bastante a possuir rendimentos significativos. Ademais, quem não faz parte de Hollywood ‘não existe’, por assim dizer. Pena. Pior para Hollywood. Nem digo a máxima ‘se Valdés tivesse nascido nos EUA seria riquíssimo’, porque seria desmerecer a classe mexicana e seu talento estrondoso. Ramón Goméz Valdés y Castillo faria ontem 90 anos. Que ele seja lembrado cotidianamente por seu carisma e, sobretudo, dignidade.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 03/09/2013
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