UMA VIAGEM COM OS TEMPLÁRIOS E O VINHO

Outro dia, em visita á fronteira, passeando entre as gôndolas de vinhos do Siñeriz Freeshop, em Rivera-Uruguai, encontrei vinhos que me levaram a uma viagem quase mil anos atrás. Foi a época dos Templários, lá pelos anos 1200. Pois bem, me deparei com o Pape Clément, um tinto de Graves, na região de Pessac Leognan em Bordeaux. No contrarrótulo sua origem: eram uvas de terras originalmente pertencentes a Bertrand de Goth. Pape Clément é uma AOC e pode ser encontrado na versão tinto e branco. Um vinho muito caro para os padrões brasileiros-na faixa de 1300 reais. Tanto o tinto como o branco são clássicos blends bordaleses. O tinto possui Cabernet Sauvignon e Merlot, sendo o branco Semillon Blanc, Sauvignon Blanc, Sauvignon Gris e Muscadelle.

Aí tem início uma longa e fascinante estória. Época em que os Templários eram uma potência militar, religiosa e financeira. A Ordem foi fundada por Hugo de Payens e Godofredo de Saint Omer em 1118, com o apoio de mais 8 cavaleiros e do rei Balduíno II de Jerusalém, após a Primeira Cruzada. Tinham por missão proteger os peregrinos que se dirigiam a Jerusalém, vítimas de ladrões5 em todo o percurso e, já na Terra Santa, dos ataques que os muçulmanos faziam aos reinos cristãos que as Cruzadas haviam fundado no Oriente. Estabeleceram-se num antigo templo em Jerusalém e eram conhecidos como os Pobres Cavaleiros de Cristo. Usavam um manto branco com uma cruz vermelha exposta na frente.

Oficialmente aprovada pelo Papa Honório II em torno de 11286 7 , a ordem ganhou isenções e privilégios, dentre os quais que seu líder teria o direito de se comunicar diretamente com o papa. A Ordem tornou-se uma das favoritas da caridade em toda a cristandade, e cresceu rapidamente tanto em membros quanto em poder; suas unidades estavam entre as mais qualificadas unidades de combate nas Cruzadas8. Os membros não-combatentes da Ordem geriam uma vasta infra-estrutura econômica, inovando em técnicas financeiras que constituíam o embrião de um sistema bancário,9 10 e erguendo muitas fortificações por toda a Europa e a Terra Santa. Geriam os pertences dos cruzados deixados sob hipoteca.

A regra dessa ordem religiosa de monges guerreiros foi escrita por São Bernardo. A sua divisa foi extraída do livro dos Salmos: "Non nobis Domine, non nobis, sed nomini tuo ad gloriam" (Slm. 115:1 - Vulgata Latina) que significa "Não a nós, Senhor, não a nós, mas pela Glória de teu nome". São Bernardo de Clairvaux, fundador da Ordem Cisterciense, a Ordem que mais plantou videiras e difundiu o vinho na França( D.Pérignon era dela) foi o patrono dos templários e recebeu de presente várias propriedades pertencentes aos templários. Ele pediu a cooperação da Ordem, através de Hugues de Payens, para reabilitar os ladrões, sacrílegos, assassinos, perjuros e adúlteros, porém que estivessem dispostos as se alistar nas fileiras das cruzadas pela libertação da Terra Santa. É a primeira ligação dos Templários com o vinho.

O seu crescimento vertiginoso, ao mesmo tempo que ganhava grande prestígio na Europa, deveu-se ao grande fervor religioso e à sua poderosa força militar. Os Papas guardaram a Ordem acolhendo-a sob sua imediata proteção, excluindo qualquer intervenção de qualquer outra jurisdição fosse ela secular ou episcopal. Não foram menos importantes também os benefícios temporais que o Ordem recebeu dos soberanos da Europa.( Wikipedia)

Retornando ao Pape Clément, o vinho, aí começa nossa estória.

Felipe IV, o Belo, rei da França era um rei devedor dos financistas da época, particularmente composta por protestantes judeus e a Ordem dos Cavaleiros Templários. A eles devia terras, propriedades e muito dinheiro. Entre 1290 e 1300, arquitetou um plano de saldar suas dívidas com os protestantes e judeus. Simplesmente prendeu-os sob inúmeras acusações, expulsou-os do país e extinguiu o que devia a eles. Contra os Templários pouco poderia fazer, pois estes só deviam obediência ao Papa, além de serem muito poderosos militarmente. Mais uma vez, maquiavelicamente planejou ter um Papa sob sua batuta e conseguiu, colocando, como tal, Bertrand de Goth, o arcebispo de Saint-Bertrand-de-Comminges , Bordeaux, uma comuna nos Pireneus franceses.

Este vinho não me trouxe boas recordações históricas, pois Clément V, nome adotado por Bertrand de Goth no papado em 1305, foi o Papa que exterminou os Templários com alegações falsas forjadas por Felipe, o Belo e seu Guarda Selos( ministro da Justiça)Guillaume de Nogaret, condenando-os á prisão perpétua ou a fogueira como Jacques de Molay, grão mestre da Ordem dos Templários(uma de suas primeiras tomadas de posição foi o estabelecimento de uma bula papal que permitia o julgamento dos Templários). Foi feita prisão em massa em 13 de outubro de 1307. Neste dia, uma Sexta feira, mandou prender todos os templários e seu grão-mestre, Jacques de Molay, os quais, submetidos à inquisição, foram , acusados de hereges. Por meio de inomináveis torturas físicas, infligidas a ferro e fogo, foram arrancados desses infelizes as mais contraditórias confissões.

Após a condenaçao, na fogueira, a 14 de março de 1314, De Molay rogou uma praga aos tres algozes( Felipe, Clément e Nogaret), intimando-os a comparecer ao tribunal de Deus para o ajuste de contas naquele mesmo ano.

“- Nekan, Adonai! Chol-Begoal! Papa Clemente...cavaleiro de Nogaret...Rei Felipe: intimo-os a comparecer perante o tribunal de Deus em um ano para receberem o justo castigo. Malditos! malditos! todos malditos até a décima terceira geração de suas raças.” E os tres morreram no mesmo ano em que o grão mestre foi condenado, cumprindo-se a convocação do grão mestre templário.

Clément morreu, mas de Bispo maldito deu origem a uma AOC em Graves e seu castelo á prestigiada AOC Châteauneuf-du-Pape no Vale do Rhône, a maior grife de vinhos franceses. Uma de suas primeiras providências, de Clément V, tinha sido transferir o papado de Roma para Avignon. O Châteauneuf-du-Pape, o castelo que começou a ser construído para o papa marcou a região. Vinhedos foram plantados ao seu redor e passaram a dar nome a eles.

Podemos observar a projeção do que era o castelo e as atuais ruínas, pois foi parcialmente destruído na 2ª GM pelos alemães que o utiizaram como posto de observação.

Os Châteauneuf são vinhos encorpados, tintos ou brancos e o padrão dita que , os tintos, mais famosos, devem ser feitos com base nas uvas Grenache, Carignan e Mourvédre e mais outras perfazendo 13 a critério do produtor. E existem mais de uma centena de produtores que fazem o Châteauneuf-du-Pape com as uvas base, mas variando o mix das outras fazendo cada vinho um único nos quase 3200 hectares de terra plantada. É a primeira AOC francesa e datada de 1936. Influenciou a criação das demais AOC na França com padrões e normas a serem seguidas.

A esta altura, os templários já tinham iniciado sua fuga pela vida onde houvesse perseguição por seguidores de Felipe.

Estórias contam que um templário vindo da Pérsia, fez sua morada numa ermida perto de Lyon, França. Com videiras que se presume sejam das aclamadas Syrah ou Shiraz, cidade da Pèrsia de onde teria vindo, conseguiu frutificá-las a ponto de torná-las as uvas emblemáticas do Vale do Rhône e dando origem a cidade de Hermitage, berço, hoje, das AOC da Syrah ou Shiraz.

A Syrah, ou Shiraz, é a uva mais emblemática do Vale do Rhône. Uma uva que faz vinhos grandiosos como os Hermitage e Crozes-Hermitage, verdadeiras legendas do mundo vinícola.

Vimos, portanto, duas AOC e uma casta emblemáticas para a vitivinicultura francesa e muita história e estórias.

No final dessa estória, em Portugal, entra D.Diniz, rei português. Solicitado pelo rei francês aplicou o jeitinho luso e , não contrariando pedido de Felipe para julgar os Templários como fez na França, condená-los e confiscando seus bens, criou a Ordem de Cristo transferindo todos os bens dos Templários para a nova ordem. Antes, já havia avaliado que o julgamento na França era uma farsa e inocentou os Templários.

A maioria dos Templários, então, fugindo de Felipe, o Belo, foram para Portugal dando origem ao fantástico desenvolvimento daquele país nos séculos XIV a XVII, onde as descobertas , circunavegações e as técnicas em metalurgia e construções de castelos e grandes edificações eram a tônica, elevando Portugal a nação líder do mundo junto com a Espanha( chegaram a dividir o mundo entre si), levando a cruz de Malta, símbolo da Ordem de Cristo,a todos os cantos do mundo .

Os navios eram abastecidos com vinho fortificado, no Porto e na ilha da Madeira, nada mais do que vinho acrescido de aguardente vínica para aumentar sua durabilidade. O caso é que os portugueses passaram a observar que os vinhos embarcados retornavam melhores do que saíam: estava criada a mística dos longevos vinhos do Porto e da Madeira, pois o calor e o sacolejar dos porões das caravelas transformava os vinhos em verdadeiros manás.

Carregavam como símbolo a Cruz de Malta vermelha, a mesma usada nas vestes brancas dos Templários nas Cruzadas. E essa Cruz esteve presente na Bandeira do Brasil até 1889.

Os vinhos do Porto e da Madeira eram, e são até hoje, confeccionados com uma babilônia de castas chegando a 40 em alguns casos. A aguardente vínica é adicionada para aumentar sua longevidade e cortar a fermentação.