Arte é: Conhecimento Intuitivo do Mundo

Arte é: conhecimento intuitivo do mundo

Assim como o mito e a ciência são modos de sistematizar e organizar as experiências humanas, também a arte vai aparecer-nos como forma de organização, transformando a experiencia vivida em forma de conhecimento. Na arte, porém, esse conhecimento se dará na forma de sentimento. No caso do mito, o entendimento não se dá apenas por meio de conceitos logicamente organizados, mas por abstrações genéricas. O entendimento também pode se dar pela intuição, pelo conhecimento imediato da forma concreta e individual, que não fala a razão, mas ao sentimento e a imaginação. A intuição, como conhecimento imediato, pode ser empírica, quando diz respeito a um objeto do mundo, e racional, quando diz respeito á relação imediata entre duas idéias. Toda intuição tem caráter de descoberta, seja de um objeto, de uma nova idéia ou sentimento.

A arte é um exemplar privilegiado de entendimento intuitivo, tanto para o artista que cria obras concretas e singulares quanto para o apreciador que se entrega a elas para penetrar-lhes o sentido.

O verdadeiro artista intui a forma organizadora dos objetos ou eventos sobre os quais focaliza sua atenção. No filme Amadeus, de Milos Forman, há uma cena que mostra didaticamente esse processo. A sogra de Mozart, emocionada e muito irritada, conta ao compositor por que a filha dela o abandonou. Mozart, que a principio realmente procurava uma resposta para essa questão, lentamente deixa de prestar atenção as palavras para sintonizar com a melodia e ritmo do discurso. Ele ouve a musicalidade por trás do discurso inflamado e compõe uma ária para A flauta Mágica. Como todo artista, Mozart percebe, pelo poder seletivo e interpretativo dos seus sentidos, formas que não podem ser nomeadas, que não podem ser reduzidas a um discurso verbal explicativo, mas, antes, é algo que deve ser sentido e não explicado. A partir dessa intuição, o que se cria não é mais uma cópia da realidade, da natureza, mas símbolos dessa realidade e natureza e da vida humana.

Daí que esses símbolos não são entidades abstratas, mas são objetos sensíveis, concretos, individuais, que representam analogamente a experiência vital intuída pelo artista.

Quando apreciamos uma obra de arte, fazemos isso, primariamente, por meio dos nossos sentidos: visão, audição, tato, cinestesia e, se a obra for ambiental, até olfato. A partir dessa percepção sensível podemos intuir a vivencia que o artista expressou em sua obra, uma visão nova, uma nova interpretação da natureza e da vida. Essa interpretação só é possível em termos de intuição e não de conceitos. Disso podemos predicar que, na obra de arte, o importante não é o tema em si, mas como se trata o tema, tratamento este que o transformará em símbolo de valores de uma determinada época ou, até mesmo, épocas.

A luz, a cor, o volume, o peso, o espaço, enquanto dados sensíveis, são experimentados de maneira diferente no cotidiano e na arte. No cotidiano, construímos com esses dados, por meio de pensamento lógico, a nossa ideia de mundo físico. Nas artes, esses mesmos dados vão alargar a nossa percepção sensível e nossa experiência. O artista cria o que poderia ser e, com isso, abre portas para nossa imaginação.

E a imaginação cumpre um importante papel em arte, ela será a mediadora, entre o vivido e o pensado, entre a presença bruta do objeto e a representação que se faz dele, entre a acolhida do corpo (pelos sentidos) e a ordenação do pensamento. A imaginação, ao tornar o mundo presente em imagens, nos faz pensar, mas o que pensamos, a partir da imaginação, não é irreal, mas é algo que apontará possibilidades, alargando o campo do real percebido, preenchendo-o de outros sentidos.

Nessa experiência estética, que também é um significado da arte, nosso eu, o sujeito que somos acolhe a natureza por meio do sentimento que a arte nos desperta. Quando olhamos para uma obra de arte, seja um quadro, uma escultura ou uma manifestação artística qualquer, nossa personalidade extrai o objeto do seu contexto natural e o liga a um horizonte interior fazendo-nos sentir algo, que não é apenas emoção, mas é conhecimento. Embora seja um conhecimento “sentimental”. Esse conhecimento alcança a expressão, para além da aparência, e a expressão é uma maneira de exteriorizar uma interioridade, de manifestar o que aquele objeto é para cada pessoa. Os materiais que o artista escolhe não são somente meios materiais de produção, mas fazem parte do processo criativo e da sua expressão. O projeto do artista irá condicionar o meio e o material, que condicionarão as técnicas e o estilo. Isso tudo, junto, formará a linguagem da obra e seu significado sensível. Por isso a obra de arte não pode ser traduzida para outra linguagem. Ela pode, quando muito, inspirar uma outra, mas esta outra, já será algo diferente.

Por isso, também, a educação em arte só poderá propor um único caminho, a saber: a convivência com obras de arte, as quais estão em todas as partes, não só em museus, mas nas ruas, em casas, nas mãos, e pelas mãos, de anônimos. Quanto mais conhecemos diferentes tipos de arte, estilos, épocas, culturas e artistas que se expressam por tais obras, mas poderemos entender a arte como um todo, e cada obra de modo particular. É importante, ainda, não querer impor o nosso gosto e padrões subjetivos para a arte, pois estes são marcados pela época e lugar em que vivemos, bem como pela classe social a que pertencemos. Para entender a arte, e suas manifestações, em particular, é preciso, ainda, aprender a sentir. Como visto, esse sentimento impelido pela obra de arte na contemplação não é uma emoção desvairada, uma espécie de catarse de emoções pessoais. Esse sentimento vai captar o movimento e as oscilações do objeto.

Enfim, com tudo isso, eu gostaria apenas de dizer que a arte, em suas diferentes concretizações, não é uma conceitualização abstrata do mundo. Ela é, na verdade, uma percepção da realidade na medida em que cria formas sensíveis que interpretam o mundo, proporcionando a nós várias possibilidades de novos conhecimentos e a expansão dos que já possuímos, por meio da familiaridade com a experiência afetiva. Esse modo de apreensão do mundo e das coisas não pode ser apresentado de outra forma, por que alcança, em nós aspectos profundos e singulares, por isso se diz que ‘entender a ideia de uma obra de arte é mais como ter uma nova experiência do que como admitir uma nova proposição’.