POR QUE HAYEK É UM CONSERVADOR. - Jordan Bloom

Escrito por Jordan Bloom | 27 Maio 2014

Artigos - Conservadorismo

Pergunto-me se Hayek teria escrito o mesmo ensaio hoje, tendo em vista que muito do que o separava dos conservadores é diferente hoje, tendo o estado crescido enormemente e num poder que provavelmente sequer foi imaginado.

Em honra ao aniversário de F.A. Hayek, vamos considerar por um momento como ele se interpretou mal. No seu ensaio “Por que não sou um conservador” o economista e filósofo argumentou por um programa anti-estatista radical, em contraste com um conservadorismo que apenas desejava diminuir o ritmo do assim chamado progresso ou empreender uma defesa do status quo.

Porém, o início do conservadorismo americano enquanto movimento político normalmente nos leva ao New Deal, e, até o advento do neoconservadorismo, ele tinha como foco em repeli-lo. Hayek dá a impressão de estar consciente disso quando escreve:

“O conservadorismo propriamente dito é uma atitude ampla, legítima e provavelmente necessária de oposição às mudanças drásticas. Ele tem, desde a Revolução Francesa e ao longo de um século e meio, desempenhado um papel importante na política europeia. Desde o advento do socialismo o seu oposto foi o liberalismo. Não há nada que corresponda a esse conflito na história dos Estados Unidos, pois aquilo que na Europa é chamado de “liberalismo” era aqui a tradição comum sobre a qual a política americana foi construída: assim, o defensor da tradição americana era um liberal na acepção europeia. Essa situação por si só já confusa foi piorada ainda mais pela tentativa recente de transplantar à América o conservadorismo de tipo europeu, o qual, sendo estranho à tradição americana, acabou adquirindo uma feição esquisita”.

Li essa passagem diversas vezes no passado e não me é possível fugir da sensação de que ele se enganou; uma aproximação não monarquista com o conservadorismo continental está presente no pensamento de alguns dos Founding Fathers, de tal forma que não é exatamente uma importação recente. Além disso, é possível alegar que o conservadorismo americano moderno possuiu sempre um caráter contra-revolucionário, notadamente em relação aos radicalismo dos americanos do centro [do país] nas campanhas de Buchanan([1]) que desejavam “botar pra quebrar” o século XX([2]).

Essa é outra ideia esquisita do “Por que não sou um conservador”:

“(...)Por conta da sua natureza [o conservadorismo] não é capaz de oferecer uma alternativa à direção a qual estamos nos movendo. Ele pode ser bem sucedido por sua resistência às tendências atuais em diminuir o passo de desenvolvimentos indesejados, porém, dado que não indica outra direção, ele não é capaz de impedir uma continuidade. Por esse motivo, o destino do conservadorismo invariavelmente tem sido ser arrastado ao longo de caminhos os quais ele não escolheu.”

Isso faz sentido se você considerar o conservadorismo como uma disposição e nada mais. Russell Kirk e outros têm feito um grande trabalho ao identificar conservadores ao longo das eras por meio de disposições em comum, porém todos eles tiveram ideias políticas que também integraram suas visões de mundo. Dizer que o conservadorismo é incapaz de oferecer uma alternativa é chamar a questão, “bem, qual desses [conservadorismos]?” Não se trata de uma ideologia programática como é o libertarianismo; conservadores têm defendido todos os tipos de coisas, desde a liberdade constitucional até o direito divino dos reis. E, hoje em dia, o mesmo fazem os libertários.

No ambiente ideológico tumultuado no qual ele escrevia, com diversas facções alinhando e realinhando-se constantemente, provavelmente fazia sentido para ele gravar uma demarcação severa entre ele mesmo e o movimento conservador emergente, porém isso não significa que todos os seus argumentos eram bons ou que tais demarcações fazem sentido hoje. A mim parece que existem quatro pilares principais para o conservadorismo hayekiano:

Anticomunismo – Hayek partilhou da oposição ao comunismo que é um je ne sais quoi do conservadorismo do pós-guerra.

Preservação da tradição – Hayek escreveu que a fundação da América estabeleceu uma tradição de liberdade, da qual ele deseja a continuidade (há uma contradição aqui, considerando-se que ele defende preservação de algo que ele repetidamente diz que foi perdido). Tanto quanto Hayek tenha sido favorável a mudanças radicais, estripar a sociedade desde suas raízes e redesenhá-la não era o que ele tinha em mente.

Ordem espontânea – A ideia da sociedade civil não dirigida como substrato de qualquer arranjo político parece ser conservador por excelência, até mesmo burkeano, uma expressão que ele invocou ao final de sua vida para descrever-se.

Os defensores mais proeminentes de Hayek estiveram todos à direita – Thatcher, Reagan, etc.

Quando eu vejo os escritos de Hayek em canais libertários, proclamando que os dois grupos jamais deveriam se unir – e aqui é possível desconfiar que isso seja dito por considerarem o rótulo de “conservador” como excessivamente denso, e eu não posso acusá-los por isso – a principal queixa deles normalmente se alinha com aquilo que os paleo-conservadores consideravam como traições:

A ambivalência voltada ao welfare state[3] e o apoio a uma política externa atuante, ambas as quais são legados do domínio neoconservador no movimento conservador e do Partido Republicano.

Politicagem estatista sobre os valores de família, um produto das alianças da Nova Direita com a comunidade religiosa, particularmente evangélica, na década de 70. O rompimento iniciou quando os grupos [de fomento] aos valores familiares começaram a pleitear favores por meio do código fiscal e em outras formas, alegando que a família é uma instituição burguesa peculiar que necessita de especial proteção. Boa parte dessas iniciativas foram amplamente consideradas como erros táticos, todavia excessos similares como uma emenda federal ao casamento ainda hoje possuem um apoio limitado.

Capitalismo/neo-mercantilismo nacionalista crônico: a oposição ao capitalismo nunca esteve tanto em voga, e ao neo-mercantilismo não mostrou mais sua cara de modo significativo desde que Pat Buchanan concorreu à presidência.

Pergunto-me se Hayek teria escrito o mesmo ensaio hoje, tendo em vista que muito do que o separava dos conservadores é diferente hoje, tendo o estado crescido enormemente e num poder que provavelmente sequer foi imaginado. Tanto quanto as abordagens historiográficas esmiúcem o tema poderão existir diferenças irreconciliáveis, contudo Hayek tem todos os sinais de um conservador reformista.

(Para uma abordagem mais alongada do conservadorismo de Hayek, indico o Dr. Madsen Pirie do Adam Smith Institute. Há também o Cato Unbound que está envolvido num forum que explora a possibilidade de uma fusão.)

Notas:

[1] Sobre a campanha de Pat Buchanan, vide: http://www.theamericanconservative.com/articles/buchanans-revolution

[2] Diz a referência: "(...) Nós devemos "botar pra quebrar" com a social democracia. Devemos acabar com a Sociedade Grande. Devemos acabar com o estado de bem estar social. Devemos acabar com o New Deal. Devemos acabar com a Nova Liberdade e a guerra perpétua de Woodrwo Wilson. Nós devemos repelir o século XX. (...)"

[3] Estado de “bem” estar social.

Publicado no The American Conservative.

Tradução: Francis Lauer