ESTÓRIAS SOBRE A ANTIGA USINA HIDRELÉTRICA DE PIRANGA-OLIVEIRA

Nos anos de 1950/60, havia uma usina hidroelétrica no município de Piranga que servia a este arraial e a um dos seus distritos, o de Piraguara (atualmente Senhora de Oliveira). A usina pertencia a Piranga, mas estava instalada nos arredores do distrito de Piraguara, na localidade conhecida como “Cachoeira dos Peixes” (atualmente, a área corresponde ao local onde se encontra instalada a destilaria e a fazenda Cachoeira, na margem direita do ribeirão Oliveira). Com a emancipação de Piraguara em 1953, que passou a ser designada por Senhora de Oliveira, a usina passou a ser alvo de conflitos entre os habitantes das duas cidades. Dizem os moradores locais que enquanto políticos e cidadãos exaltados brigavam pelo direito do uso da energia, a usina definhava, fornecendo uma luz de baixa intensidade. Ideias foram cogitadas como a de sair em comboio da cidade de Piranga em direção ao local, percorrendo os 22 km que separam as duas sedes, para desligar a chave que fornecia energia ao recém emancipado distrito. Poucos cidadãos e políticos dos dois municípios admitiam a importância entre eles para o desenvolvimento de ambos. Naquele tempo, os ânimos exaltados prevaleciam sobre o legado que a cidade menor recebera da maior ou vice e versa. Por outro lado também, os habitantes de Senhora de Oliveira pouco reconheciam que a energia elétrica fora instalada no antigo arraial sob a administração de Piranga. Em casos de emancipação de distritos, é até natural que se reproduza um olhar de desconfiança dos moradores da sede do território desmembrado em relação aos beneficiados com a separação. Como disse o Sr. Lulu de Sodiga, na maioria das vezes, as animosidades começam na campanha para a desvinculação; as pessoas que desejam a autonomia de governo têm que contrariar seus habituais parceiros, decepcionar os antigos chefes políticos e negar as vantagens da unidade. A liberdade possui um preço e, após a emancipação, o município de Piranga se negou a buscar uma solução amigável para o caso da energia elétrica. Destaque-se, contudo, que o povo de Senhora de Oliveira não quis compreender que, sob a ótica da antiga sede, cortar a energia de seu ex-distrito não era uma questão de vingança, mas necessidade: a luz não dava nem para um dos distritos. Alguém tinha que sofrer e, em casos assim, sofre mais quem pode menos. Mas, por que o município de Piranga não cortou sendo ele o proprietário da usina? Por uma questão simples! A usina era fincada em maciço de pedra dentro da área que ficou pertencente ao emancipado município de Senhora de Oliveira, a poucos quilômetros (cerca de 3) deste distrito. Isso poderia significar invasão territorial, com consequências imprevisíveis. Questões estratégicas, de ordem geopolítica, completavam esse quadro: para desligar a luz, mesmo que os interessados passassem pelo caminho mais perto (localidade do Guiné), povoado na divisa entre os dois municípios, teriam que percorrer uma faixa de terras pertencente ao novo município, atualmente correspondente à zona chamada “Ribeirão”. Por isso que, conforme salientou o Sr. Lulu de Sodiga, na época do conflito, Alcides Fidelis teria resumido o impasse com a seguinte frase: "quem bebe a água que nasce em terras do vizinho de cima só pode brigar com o de baixo", uma analogia ao fato de que, como as águas do ribeirão Oliveira correm para o município de Piranga seria imprudente alimentar tal levante. Pensar na usina é pensar em sô Lauro (falecido), um gênio que sabia consertar aquelas parafernálias que rodavam a grande velocidade. A água do Ribeirão dos Peixes era aprisionada, alguns metros antes de chegar à usina, por um canal cimentado e se desviava por um tubo enorme que se afunilava até chegar à roda dentada, muito parecida com os moinhos de fubá, só que em posição vertical. O processo de sucateamento da usina começou quando ela passou a servir outras comunidades e, particularmente, após 1953, com a emancipação do distrito de Piraguara, fato que alimentou as tensões. Agregou ao impasse, o fato de que as matriarcas, agarradas nas tábuas do passado, temiam enquanto pensavam em suas filhas numa provável escuridão, naquele apagão intermitente e ao alcance de marmanjos aproveitadores. Ninguém queria ficar sem luz, então, os dois municípios brigavam pelo restinho que ainda podiam ter. Corte frequentes da luz para a nova cidade eram comuns: às vezes, Piranga justificava a interrupção do fornecimento com argumentos técnicos, mas, com os ânimos acirrados, o povo de Senhora de Oliveira não mais confiava em desculpas. Brigas miúdas eram de conhecimento do povo, mas as mais importantes ocorriam nos bastidores da política em Piranga, onde gente graúda não desejava uma solução enquanto os adversários estivessem no poder. Enquanto os mandachuvas defendiam seus interesses, os anos se passavam e a depreciação da usina ia ocorrendo, pondo oxidação e trincas naquelas engrenagens, causando um travamento progressivo e contínuo. As lâmpadas piscavam a noite inteira. Pra utilizar um anacronismo, contam que na beira do rio Piranga, “uma” cabeça mais pensante do que as outras teve a ideia de que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Ou seja, pensou em fazer a escuridão, e a escuridão se fez. Algumas lideranças de Piranga, cansadas de esperarem por uma solução política, já que as forças da oposição amarravam a entrada de Cemig, porque obviamente não queriam entregar os frutos desse feito ao prefeito da situação, resolveram agir. Convencidos de que era melhor uma escuridão passageira que um lusco-fusco pelo resto da vida, juntaram cerca de cem homens e rumaram até as divisas de Senhora de Oliveira. De lá voltaram derrubando postes, enrolando fios, e assim passaram o dia inteiro. À noite, entraram em Piranga com caminhões carregados de fios de cobre, transformadores e outros equipamentos menores usados como isolantes; jogaram tudo na frente da Prefeitura e na Praça. Conseguiram a mudança na marra. A partir de então, nenhuma força política teria como atrasar a entrada da Cemig na cidade. Em Senhora de Oliveira, algum tempo depois, aconteceria algo também um tanto estranho: a usina seria levada água abaixo. Sem mais sem menos tudo ruiu: tubos pesados, paredes de concretos, máquinas, tudo perdido de um minuto para outro. Suspeitas de sabotagem? Ouvi de um antigo morador do local que a usina foi simplesmente dinamitada por moradores de Piranga na calada da noite: não sobrou praticamente nada, apenas a parede de pedras que a sustentava. Ele me contou que um ex-prefeito de Piranga (não vou identifica-lo, pois não está mais aqui para se defender) ajuntou nesta cidade certo número de homens em um caminhão FORD e, na surdina da noite, dinamitaram a referida usina. Desse modo, abria-se espaço e criava-se uma justificativa para a entrada da CEMIG no município. Uma notável vitória político-partidária (Texto adaptado e modificado a partir das versões apresentadas pelo Sr. Lulu de Sodiga).

Patrício Carneiro
Enviado por Patrício Carneiro em 05/11/2014
Reeditado em 05/11/2014
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