O artista e sua arte.

É uma balela dos diabos esse papinho contemporâneo que tudo é arte, um vaso sanitário é arte, uma pedra é arte, uma mancha é arte, etc, — por mais que eu convenha que o vaso sanitário envolva alguma técnica (mesmo que de uma máquina) e possui muito maior utilidade e ainda exija alguma habilidade de quem o usa, diferente da mancha, que só serve para ser apagada, já que não agrada os olhos e nem possui nenhuma serventia prática, senão ser um defeito.

A arte é como um parto natural — e, até onde sei, nenhum parto deste tipo se dá com tranquilidade, conforto, sem dor ou arrependimento. A agonia de um poeta para encontrar a palavra com o ritmo certo para o lugar exato, entrelaçando os versos e estrofes de sua cria; o sofrimento do músico no arranjo de uma sinfonia bem-feita, no achar um acorde ou harmonia que caiba bem ao momento, conceber a própria peça, desenvolver o tema, etc; as dificuldades da realidade na concepção arquitetônica; a labuta da complexidade em um romance, onde a vida de cada personagem deve se fundir de maneira consonante com a trama e explicar o porquê de suas ações, etc; e outras tantas infinidades de agonias que aparentemente, a quem não as experimenta, são insignificantes, quando, para o artista, esta é um gigante sempre constante, como a sombra que o acompanha em face à luz da idéia, angústias que, muitas das vezes, dão ao artista o desejo de desistir, de jogar tudo para o alto, mas, como a mãe, que mesmo se arrependendo por causa do sofrimento causado pelo parto, olha para seu filho já concebido e começa imaginar nas novas alegrias que este novo filho lhe trará.

Aos que dizem que a arte é uma facilidade, eu digo, de nada sabem, nem experimentaram parir qualquer arte. Chega a ser uma moléstia infernal, que atormenta e pode se prolongar por dias, semanas, meses, anos e, até mesmo, décadas a gestação de uma idéia.

É fácil aos que apenas olham e dizem “que criança rechonchuda”, “que sadia!”, “que graça!” supor que foi fácil gerar e parir a criança, mas só o artista, a mãe sofredora, quem sabe dizer como é difícil.

Apesar do sofrimento, o artista é um adicto, um amante que, apesar de ser mãe solteira, ama o pai, a arte, e ama a seus filhos, caso contrário, não passaria tantas vezes por este sofrimento para produzir o que é belo, agradável, tocante e significativo.

Criar mediocridades ou porcarias — como as feitas em nossa época — é fácil. Tomemos por testemunhas a variada turba de mediocridades em nosso tempo, onde, em desespero ante a insignificância das criações, os artistas apelam todo o tempo para o subjetivo, esquecendo que a arte é para os outros, isto é, ela deve ser feita nos moldes não do artista, mas nos moldes que façam o artista ser compreendido, caso contrário — como é hoje em dia — a suposta obra de arte será apenas uma ânsia criativa, mas significará algo apenas para o artista, pois a quem se destina a arte (ao público) será incompreensível.

É ridículo o esforço de certas “mães” para explicarem as aberrações a que conceberam, escondendo sob a malha de subjetividade o desleixo pelo qual a criança é um monstro maltrapilho e sujo. Mais patético que isto, são os idiotas histéricos que, ao olharem a criatura monstruosa, fingem para demonstrarem como são inteligentes, como são mais ou menos capazes de compreenderem a subjetividade da obra, quando não entendem nada.

A subjetividade só significa algo mais ou menos claro para a mente que concebeu-a, mas, se esta mente se propõe a transmitir esta subjetividade às demais, então ela necessita de modulação, moderação para que os demais que olham a subjetividade tem a mesma ou parecida sensação que a mente que teve esta subjetividade.

Ter uma criança é difícil, as angústias muitas, igualmente as aflições tantas, mas, ao fim, ela enche o mundo de beleza, e ao que a gerou, enche de orgulho; mas, se conceber uma obra de arte é análogo a dar a luz à criança, inversamente oposto, conceber mediocridades se compara a defecar, pois é comum e sem valor, além de que não despende a energia de uma gestação ou de um parto.

Os que de fato amam a arte, jamais conceberão tais aberrações e crianças deformadas por seus descuidos, mas, apesar de todo sofrimento, continuará a se empenhar em gerar a criança. Os que dizem ser artistas, mas não estão dispostos a amar e, portanto, sofrer por seus “filhos”, não são coisa alguma, senão aventureiros ou sedentos de alguma fama ou destaque, mas querem possuir isso sem esforço verdadeiro. É perdoável que o sujeito não ame a arte, mesmo que o artista de verdade seja amante da arte, pois ama a arte, e a ama por sua beleza, e com isso apenas se satisfaz, em criá-la, em contemplá-la, em amá-la, isso lhe basta para saciar sua alma sedenta — mesmo que este tipo amor não seja exigência para que se faça um artista, mas, sem este amor, provavelmente o cansaço e o tédio irá cansar aos que sem amor se envolvem com as Musas.

Só o amor pela arte pode nos fazer continuar no ofício de artista, uma vez que só o amor é capaz de suportar tais agonias e desapontamentos.

Todos os gênios que inovaram, não inovaram porque queriam romper com as formas anteriores, por acharem-nas feias ou obsoletas, mas porque já haviam dominado-as completamente a ponto de darem passos firmes em direção a formas mais complexas — o que é uma coisa óbvia, já que não se começa o ensino e, portanto, o exercício de qualquer matéria pela parte difícil, mas pelas partes rudimentares. Uma vez que os grandes gênios viram que os seus antecessores haviam criado coisas belíssimas, não havia porquê substituir a técnica por outra, uma vez que a técnica obtinha belos resultados, e não abandonaram a técnica, apenas tornaram-na mais complexa, mais elaborada. Não há porquê revolucionar o que é bom, se não houver um substituto superior, pois mesmo que o substituto seja à altura do que se tem, substituir um bom por um bom é apenas trocar seis por meia dúzia. Todas as grandes técnicas, assim, são evoluções ou criações de métodos superiores e mais rígidos que os anteriores, e não um rompimento ou abandono dos métodos.

O artista de verdade não está voltado em ser totalmente original, uma vez que isso seria impossível, já que existe um número finito de formas, instrumentos, notas (portanto, acordes), e aprova disso é que certas coisas de determinadas obras nos fazem lembrar de outras. Mas desde quando algo para ser bom tem de ser totalmente original? Ou o que não o é não presta ou é inútil? Toda criatura viva tem característica comum com outra criatura, tal como nariz, ou guelras, ou caudas, ou jubas, ou bicos e asas, etc. A qualidade ou utilidade de determinado algo não está em quão original ele é, ou quão novo ele — a prova disso é que um bom clássico nunca perde o frescor, como uma boa história nunca perde a sua qualidade, mas apenas suas partes surpreendentes, mas isso não a despe de quão interessante ela pode ser, pois basta que se fique um tempo sem ouvi-la para, quando lê-la novamente, ela soe novamente interessante.

É terrível — falando como compositor, mas isto obviamente ocorre em todas as artes — se encontrar diante da mesma cena, ou sequência de acordes, ou de instrumentação, etc. Mas não é isso que é a realidade? Não é ela um pana finito, onde nós agimos? Se todas as demais coisas da vida são finitas e algumas coisas inúteis, por que não seria assim também a arte? Por que deveria ela, a cada nova criação, ser 100% nova e original?

O artista não é aquele que inova completamente, que cria tudo novo — trabalho hercúleo que seria impossível, já que as artes não nasceram do dia para a noite, nem mesmo por um homem apenas, mas demoram muito tempo para virem à luz, igualmente, não foram elaboradas por um homem apenas, sendo assim, impossível lançar esta montanha nas costas de um mísero homem que, por mais genial que seja, não será capaz de ser maior que linhagens inteiras de grandes homens que se dedicaram a detalhes e, assim, tornaram cada detalhe grandioso; para um homem só isso seria humanamente impossível, já que a vida do miserável é finita —, mas o artista é aquele que consegue se renovar no que já existe.

A criação artística real é perfeita, não no que toca ao gosto, mas à técnica, isto é, ela é tecnicamente irrepreensível, o que não quer dizer que não haverá os que desgostem dela, mas será apenas por um desgosto pessoal, mas não podem repreendê-la pelo lado técnico. Há quem não goste de certas esculturas, quer seja pela imagem, quer seja pela sensação, ou pelo que for, mas não podem criticá-la se ela é tecnicamente perfeita, mas se não é, qualquer um que tenha olhos é capaz de perceber a falta de perspectiva, a desproporcionalidade, o desconhecimento em anatomia, ou em textura, etc.

Muitos em nosso tempo, ditos artistas, são verdadeiras aberrações artisticamente, criando deformidades sem fim, sem motivo nem mesmo um possível entendimento.

A banalização da forma, quer na música ou nas artes plásticas, abriu caminho para um bando de charlatões, que não têm apreço algum pela arte, ou pela beleza, mas que convencem a si mesmos, e por histéricos que os rodeiam, que são, de fato, artistas, mesmo sem nenhum rigor ou técnica, mas que possuem obras criadas ao acaso, mas que se convencem de que é arte. Muitos acham que tal coisa é arte por causa da grande coloração — traço que trazemos conosco desde a infância, o gosto pelo que é de belas cores, mas só porque as cores são belas —, ou mesmo pela ignorância que beira ao infantil, sendo que, na verdade, tais lixos artísticos poderiam ser criados por criancinhas pequenas de 3 anos de idade, bastando que se desse tinta a elas.

Eu, particularmente, não usaria certas obras de Picasso como quadros, mas como tapetes, uma vez que, já que a imundícia e a confusão presente em determinadas obras enchem os olhos de desgosto, que, pois, fiquem no chão para que os olhos não as vejam.

Se não podemos criar algo bom, pois que destruamos as irrelevâncias de nossa mediocridade e esperemos por uma inspiração real, ou simplesmente que abandonemos o ramo artístico e, assim como Deus faz conosco, não cobremos a perfeição total como ela é de fato, mas cobremos de nós mesmos o mais árduo e sincero esforço de alcançá-la. A nossa perfeição não está em ser perfeitos, mas em nos esforçarmos com todas as nossas forças para chegarmos mais próximos da perfeição, é óbvio que uns chegarão mais próximos dela que outros, mas que ambos se esforcem em toda a perfeição de labor, amando a arte não pelo que ela pode nos proporcionar de fama, ou riqueza, mas de quão satisfeitos, tanto nós como os que a contemplam, podemos ficar, não se necessita de algo grandioso para se alcançar a grandiosidade, pois até nas coisas mais singelas e pequeninas é possível encontrar imensas belezas, e não há outra razão para que os apolíneos sejam artistas, senão o amor à beleza de cada uma de suas musas.

roberto da cunha e lima
Enviado por roberto da cunha e lima em 15/01/2016
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