Mercado de livros digitais não decola no Brasil e estagna nos EUA e Europa

A indústria brasileira de impressão de livros já não teme que a leitura digital leve grande parte de seus consumidores, como ocorreu no mercado de música.

Um dos motivos são os sinais de estagnação que a venda de livros digitais já dá nos Estados Unidos e na Europa.

Segundo a Association of American Publishers (entidade do setor nos EUA), as vendas de e-books (livros eletrônicos, que podem ser lidos em e-readers, tablets, PCs ou smartphones) caíram cerca de 11% nos primeiros nove meses de 2015, em relação a igual período de 2014.

Essa retração deriva, em parte, das disputas entre as editoras e a gigante de vendas on-line Amazon.

Quando, há cerca de dois anos, as editoras conseguiram a possibilidade de fixar os preços de seus próprios e-books, muitas começaram a cobrar mais, e isso deu competitividade aos antigos livros impressos.

No Brasil não há dados oficiais sobre vendas de livros digitais, segundo o presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), Marcos da Veiga Pereira.

Ele afirma, no entanto, que pelas estimativas de mercado, nunca houve um "crescimento exponencial nem consistente" por aqui.

As vendas eletrônicas ainda crescem, mas perdem fôlego. "O Brasil tem um crescimento que já alcançou 30% há alguns anos, depois ficou em 20%, caiu para 12%", diz.

A Amazon, que domina esse mercado, não abre seus números no país, mas estudos da empresa de pesquisa e consultoria Euromonitor, com base no indicador de vendas dos e-readers (os aparelhos para a leitura digital), vislumbram um freio por aqui também.

As vendas de e-readers passaram de US$ 2,3 milhões em 2014 para US$ 2,4 milhões no ano passado no Brasil, segundo a Euromonitor.

A previsão da consultoria é que, em 2020, elas devem voltar ao patamar de US$ 1,1 milhão.

Na Europa e nos Estados Unidos, essa tendência de estagnação na indústria do livro eletrônico já ficou evidente.

"Os livros digitais e os e-readers foram grandes promessas quando chegaram ao mercado, mas a dificuldade em negociar os direitos do conteúdo prejudica as perspectivas globalmente", diz Loo Wee Teck, diretor da Euromonitor International.

No mercado americano, as vendas dos e-readers já haviam superado US$ 1 bilhão, mas caíram mais de 13% em 2015. O mesmo ocorreu no mercado europeu, onde as vendas recuaram mais de 6%.

LIVRO DE PAPEL

Os livros impressos, por outro lado, ainda demonstram resiliência (veja gráfico).

Arnaud Lagardère, que controla o grupo proprietário da gigante editorial Hachette, afirmou em apresentação de resultados neste ano que a fatia de e-books caiu para 22% de suas vendas totais nos EUA —o pico, de 30%, foi registrado em 2013.

A variação foi reabsorvida pelos livros impressos.

Para Ismael Borges, gestor no Brasil do Bookscan (painel de vendas de livros no varejo realizado pela Nielsen), os livros eletrônicos e físicos não se "canibalizam": há espaço para as duas categorias.

"O consumidor do e-book é bem específico. Parece que é mesmo um mercado de nicho. Mas o acesso à leitura aqui ainda é baixo em relação à Europa. Por isso ainda é grande o potencial de crescimento do país", diz.

PATAMAR

Sócio da editora digital O Fiel Carteiro e membro da comissão do livro digital na Câmara Brasileira do Livro, André Palme defende que o mercado americano parou porque já atingiu o patamar de consolidação. "Estima-se que a participação do livro digital nos EUA seja de 20% a 25%. No Brasil, é de 3% a 5%."

Palme prevê um amento no uso dos smartphones como plataforma de leitura de e-books nos próximos anos.

"Uma coisa que cresce muito é o segmento de livros digitais de autopublicação", diz Alex Szapiro, diretor-geral da Amazon no Brasil.

Nesse modelo, o próprio autor publica seu livro, sem passar por uma editora.

"Na média dos cem livros mais vendidos no Brasil na Amazon semanalmente, cerca de 30 são autopublicação de livros digitais", afirma.

Considerada a maior empresa de varejo on-line global, a Amazon também dá passos na direção do mundo físico. No fim do ano passado, ela inaugurou, nos EUA, sua primeira loja física, após 20 anos desde o início de suas vendas por internet.

"Costumamos pensar que os movimentos de ruptura sempre vão quebrar toda a estrutura, mas na indústria editorial, quando a participação do e-book começou a bater em 25% e as pessoas começaram a prever que ele ia superar o impresso, veio uma surpresa: a estagnação", afirma o presidente do Snel.

JOANA CUNHA (Folha de São Paulo)