Os beatos subversivos

OS BEATOS SUBVERSIVOS

Curiosamente a história do Brasil traz consigo alguns episódios que, embora distantes, geográfica e temporalmente, apresentam certa semelhança em seus arquétipos e consequências. Na efervescência sociopolítica de fins do século XIX e início do XX, algumas narrativas tem traços tragicamente comuns.

A história oficial conta que a “Guerra dos Canudos” foi engendrada por Antonio Conselheiro, um beato “fanático” e milagreiro que apareceu no sertão baiano por volta de 1874 pregando idéias contrárias à política do Império, como igualdade entre as classes sociais e a acolhida aos pobres e marginalizados. Conselheiro ganhou adeptos e força a partir do momento em que criticou os impostos cobrados pelo Imperador, tachando-os de extorsivos, aconselhando os camponeses a não pagá-los. Uma força policial foi prender o beato sendo totalmente destroçada. Para se defender os “fanáticos” ergueram uma fortaleza em Canudos. Após muitos combates contra as forças imperiais, Conselheiro e seus seguidores foram eliminados, a maioria por degola em 1897. A história de Canudos é contada como uma denúncia contra a matança, por Euclides da Cunha, em sua obra “Os sertões”.

Semelhante à narrativa acima, o episódio dos Mucker ocorreu em Sapiranga, RS, com Jacobina Mentz Maurer uma mística que se insurgiu contra o latifúndio e exploração das elites, que chamavam seus seguidores de fanáticos, hereges e criminosos. Após muitos confrontos, as tropas imperiais atacaram a sede do grupo no Morro do Ferrabraz, matando a todos (1874), cerca de 1200 pessoas,.

Já no século XX (1912) o beato João Maria, na localidade do “Contestado”, oeste de Santa Catarina, liderou a reivindicação de um grupo de colonos desalojados injustamente de suas terras pela construção de uma ferrovia. João Maria passou a ser tachado de charlatão, enganador da boa fé do povo e subversivo. Temerosos de sua liderança, os representantes da República encetaram uma campanha militar (1916) dizimando os “subversivos” ao custo de muitas mortes.

O chamado “massacre do fundão” aconteceu em 1938, no interior de Soledade, RS. Um grupo de camponeses orava pacificamente em uma capelinha do interior, numa Sexta-feira Santa, quando a polícia do “Estado Novo” cercou o local onde se achavam os “quinta-colunas” matando a todos (mais de 200 pessoas).

Estas quatro narrativas, desconhecidas de muitos, autênticas manchas em nossa história pátria, se acham desenvolvidas, sob o título “histórias a espera de um historiador” em meu livro “Mucker, fanáticos ou vítimas”, Ed. EST 1996, escrito em parceria com a professora Vilma Rocha.