VODU

VODU

Um profissional liberal de Campo Grande, MS leitor do

Recanto das Letras pede informações sobre o Vodu.

A simples menção da palavra vodu evoca certo mistério, atra-vés de imagens lúgubres do cinema, onde mortos a caminhar pelos cemitérios, bonecos de cera letais cravejados de alfinetes e bizarros rituais são realizados à meia-noite nas profundidades da floresta vir-gem do Haiti. Antes do aspecto religioso há que considerar o lado cul-tural e folclórico de toda questão. As palavras precedidas do sinal  se encontram explicadas no final do trabalho no Glossário.

O vodu é mais do que mera magia negra, ou maléfica. Na sua forma original, foi trazido por escravos africanos para a ilha Caraíba do Haiti no século XVI. Aí entrou em contato com a religião católica romana dos colonos franceses proprietários de escravos, em conse-qüência do que absorveu muitas das complexidades do catolicismo sem jamais perder a sua natureza essencialmente pagã. Assim, por exemplo, atualmente ainda muitos haitianos acreditam que pelo me-nos um dos aspectos do deus-serpente vodu Damballah é fielmente representado na reprodução convencional de São Patrício da Irlanda. Hoje os vuduístas (os que praticam o vodu) se disseminam pela A-mérica Central e do Norte.

O vodu é uma religião tipicamente nativa do Caribe, praticada principalmente na ilha de Hispaniola (hoje Haiti e Republica Domini-cana). Pelo fato de eventos sobrenaturais serem uma parte comum dos rituais vodu, eles concedem poderes inacreditáveis a seus praticantes. O vodu lida com espíritos poderosos chamados Loas, que não são deuses no sentido da tradição judaico-cristã, visto que não são onipo-tentes, e não pertencem a um espaço eterno distante do mundo mate-rial.

Quando um servidor do vodu morre, seu espírito permanece. Ele torna-se um zombi (encontra-se também zumbi), e vive num peque-no receptáculo perto da antiga moradia da pessoa, e continua sendo parte do dia-a-dia.

O vodu (também aparece como vudu) é uma seita de origens a-fricanas, cultivada a partir dos negros escravos da América Central. Seu culto, de inspiração jeje-daomedana, é praticado nas Antilhas desde fins do século XVII. O vodu apresenta alguma semelhança com o candomblé e a quimbanda.

Tal como acontece com muitas religiões orientadas para a magi-a, a idéia essencial do vodu é a de que toda a realidade é uma espécie de fachada por detrás da qual atuam forças espirituais muito mais importantes e poderosas. As árvores podem ser as moradas de espíri-tos poderosos; a doença e a morte nunca são fortuitas, mas constitu-em sempre um sinal de retribuição divina ou mágica. O mundo dos espíritos no vodu é chefiado por Legba, mediador entre o homem e os espíritos. Outros loas, incluem o deus-serpente Damballah, fonte de virilidade e poder; Erzulie, deusa do amor, ciúme e vingança, e Guêde, que, juntamente com auxiliares sinistros como o mal-afamado Barão Samedi (Senhor do Sábado), que preside os mistérios da morte e feitiçaria maligna. Numa posição hierárquica inferior à dos deuses mais importantes encontram-se as divindades menores, e a-baixo destes inúmeros espíritos, incluindo muitos anteriormente hu-manos.

Nos elaborados rituais do vodu, os adoradores invocam estes lo-as e espíritos, esperando ser possuídos por um que traga boa sorte, efetue uma cura, aplaque a alma de um morto, conjure o mal, consa-gre um sacerdote ou desempenhe qualquer outro serviço de caráter mágico.

Uma cerimônia vodu típica tem lugar numa noite de sábado em um houmfor, um templo situado na floresta haitiana. O houmfor consiste geralmente num pequeno edifício onde são guardadas as relí-quias sagradas, uma sala adjunta lateralmente aberta e um pátio ou clareira onde se reúnem os adoradores. Um sacerdote denominado  houngan (ou, no caso de se tratar de uma mulher,  mambô) inicia as cerimônias na sala exterior com preces, encantamentos e libações propiciatórias, desenhando no solo símbolos mágicos, os veves, es-pecificamente destinados aos loas que desejam convocar nessa noite. Os adoradores começam a cantar e a dançar e, à medida que o seu frenesi aumenta, oferecem-se sacrifícios aos deuses - geralmente galos ou bodes

Em determinado momento, se a cerimônia se processar devida-mente, os corpos de pelo menos alguns dos adoradores são possuídos pelos loas invocados. Os indivíduos possuídos contorcer-se-ão de um modo incontrolável, falarão com vozes estranhas e por vezes línguas ininteligíveis e, finalmente, tombarão no solo, o que será considerado um sinal de que os loas favoreceram a petição dos adoradores.

São os aspectos mais secretos do vodu que mais têm apelado para a imaginação do mundo. E o vodu - um sistema de crença enrai-zado no medo - possui efetivamente aspectos muito secretos. Práticas como assassínios, rituais, canibalismo, incesto e magia negra são atri-buídas a determinadas sociedades secretas de vodu conhecidas coleti-vamente como seitas vermelhas. Feiticeiros denominados bokos in-vocarão, a troco de uma retribuição monetária, a ajuda do Barão Sa-medi a fim de lançar maldições fatais sobre os vivos - e eventualmente maldições mais aterrorizantes ainda sobre os que acabaram de mor-rer, pois são estes que é possível, através da magia, transformar em zombies, cadáveres reanimados condenados a servir para sempre os seus senhores como escravos descerebrados.

A crença do vodu afirma que os espíritos dos mortos (os zombi-es), aprisionados pelos feiticeiros, vivem num mundo de fantasmas, mas podem visitar as pessoas, para ajudá-las, aterrorizá-las e até ma-tá-las. Le Baron du Samedi é o principal zombi do vodu, um morto-vivo que organiza os trabalhos e rege a vida e a morte das pessoas.

Embora estejam principalmente concentradas na ilha do Haiti, as crenças e práticas mágicas do vodu divulgaram-se facilmente nos EUA, via tráfico de escravos, conseguindo a sua primeira e mais pode-rosa base de apoio na Louisiana no século XVIII. Em meados do século XIX, a influência local do vodu era suficientemente grande para permi-tir que uma mambô que se autopromoveu, Marie Laveau († 1881), se tornasse uma celebridade de New Orleans, Geórgia e Carolina do Sul.

O vodu espalhou-se para o norte para os guetos e zonas subur-banas das grandes cidades industriais americanas. Em 1978, a polícia de Nova York, calculou que apenas no populoso bairro do Brooklyn havia 30 houmfors secretos e talvez 100 houngans e mambôs pratican-tes. Há também manifestações do vodu no Canadá, nas províncias de influência francesa (Montreal e Quebec).

Os vuduístas costumam fazer bonecas (chamadas (parker) de cera, barro (em geral da terra de cemitérios) ou de papel, representan-do a figura de seus inimigos, os quais são queimados, jogados na água ou espetados por agulhas. Tais práticas, segundo a crença, podem causar ferimentos, dificuldades na vida ou até mesmo a morte daque-las pessoas ali retratadas. Existem vestígios dessa feitiçaria na Europa do século XIV (França e Espanha).

As pessoas perguntam se magia vodu surte efeito? Pelo menos no sentido da psicologia a resposta pode até ser afirmativa. Num estu-do bem conhecido no mundo científico, o pesquisador da Universidade de Harvard, Dr. Walter B. Cannon descreveu o processo através do qual “um crente do vodu pode morrer de medo se pensa que foi amal-diçoado. O choque auto-infligido, com as conseqüentes deficiências circulatórias e quebra de fornecimento de oxigênio aos órgãos vitais, pode ser precipitado, pelo simples poder fatal da imaginação agindo através do terror absoluto” . É o que se chama, na parapsicologia, de “subjugação psíquica”, ou seja, uma pessoa acredita no poder do feiti-ço, teme que lhe façam mal, e o mal acaba acontecendo.

O Barão Samedi, já mencionado, é o senhor dos mortos, que ressuscita deste reino justamente aos sábados. É o imperador dos ce-mitérios, dos ritos fúnebres. Quando o Sol está em Escorpião, em es-pecial no mês de novembro (no hemisfério norte), as almas dos mortos estão andando sobre a terra. O rito é feito à noite em um cemitério, e o Barão Samedi é invocado. Na ficção, há uma interessante imagem do vodu, no filme “Live and let die”, de Ian Fleming († 1964), onde o agen-te James Bond trava interessante luta com praticantes do vodu, inclusive contra o Barão Samedi.

De acordo com a teologia rudimentar do vodu haitiano, toda pessoa tem duas almas: quando uma pessoa morre, uma das almas segue para o céu. A outra alma fica nas proximidades do cadáver, ou vagando pelo mundo. Esta alma que vaga pelo mundo muitas vezes é chamada de zombi, que pode ser a alma de alguém que teve morte vio-lenta, um adolescente, ou uma pessoa que por qualquer motivo não teve os ritos fúnebres. O nome zombi também designa uma alma que foi escravizada por um feiticeiro vodu, que tem esta alma como escra-va para realizar seus intentos, em geral maléficos.

Entre as manifestações religiosas da tradição afro-americana, macumba, candomblé e outros, o vodu do Haiti transcendeu os círcu-los em que se desenvolve, uma vez que são exploradas suas caracterís-ticas culturais, bem como aproveitadas como recursos turísticos na-quele país antilhano, com venda de livros, imagens e bonecas.

O vodu é um culto religioso popular de caráter sincrético. Incor-pora aspectos do ritual católico-romano, datados da colonização fran-cesa e originados de uma interpretação anômala dos ensinamentos derivados de um batismo muitas vezes imposto, assim como elemen-tos religiosos e mágicos africanos trazidos pelos escravos das etnias  ioruba,  fon e outras. O culto tornou-se uma espécie de religião ofi-cial da comunidade camponesa do Haiti.

Embora os praticantes do vodu professem a crença  deísta num distante deus-supremo, suas divindades efetivas são os loas, que podem ser aparentados a santos católicos, ancestrais deificados ou deuses africanos. Muitos adeptos urbanos acreditam que os loas po-dem ser benévolos, os loas Rada, os quais se ligam aos indivíduos ou famílias como anjos da guarda, guias e protetores, ou mesmo ma-lévolos, os loas Petro. Os loas do vodu se assemelham aos orixás do candomblé.

Com o tempo, o vodu perdeu seus traços ancestrais e adotou caráter nacional, com a criação de formas típicas haitianas. Durante décadas a Igreja Católica condenou o vodu no Haiti, mas como essa crença se tornou a religião principal da maioria da população, em me-ados do século XX os católicos resignaram-se à convivência mais ou menos pacífica com o culto.

Os loas visitam as pessoas tomando posse de seus corpos numa cerimônia vodu. Pode-se realizar cerimônias especiais para invocar um loa específico, mas eles podem também aparecer sem avisar durante uma cerimônia normal. Qualquer pessoa pode ser possuída por um loa. Diz-se que uma pessoa possuída por um loa está sendo “cavalga-da” pela entidade, e mostra todos os sinais característicos de um tran-se: falar com uma voz diferente, possuir conhecimentos especiais, não demonstrar sentir dor, realizar feitos impossíveis, etc. Um houngan é capaz de reconhecer o loa quando ele chega, e se certificará de que a pessoa possuída está vestida com roupas apropriadas. Ele tentará compreender o que o loa quer, e fará o melhor possível para conseguir satisfazê-lo.

Advertência

Como disse no início, esta exposição retrata os aspectos folclóri-

cos e culturais do vodu. Como operador da Teologia Católica eu

não acredito em nenhum dos postulados aqui enunciados, por ser

a manifestação de uma crença pagã e animista, que faz a

apologia do mal ao lado do bem e da invocação dos mortos, uma

espécie de espiritismo primitivo, que minha Igreja nega e

condena. O texto aqui colocado foi extraído do meu livro (a sair)

“As religiões do Mundo”. O fato de estar aqui enfocado, de uma

forma cultural e enciclopédica, não quer dizer que faça parte de

minha crença nem de minha fé em Nosso Senhor Jesus Cristo

que integra o Deus Uno e Trino.

Glossário do vodu

Barão Samedi

O senhor dos mortos, que ressuscita deste reino justamente

aos sábados. É o imperador dos cemitérios, dos ritos fúnebres;

Bokos

Feiticeiros com poder de invocar os mortos; o mesmo que

bokor;

Damballah

Deus-serpente das crenças fon, de onde se deriva o vodu; é

fonte de poder e virilidade;

Deísta

Filosofia religiosa de trato racionalista que floresceu na Europa,

a partir dos séculos XVII e XVIII. Os deístas negavam as afirma-

ções baseadas na revelação ou ensinamentos de qualquer credo;

admitem crença em um deus, conforme a interpretação de cada

um;

Erzulie

Deusa do amor e da sedução, do ciúme e da vingança;

Fon

Uma das tribos africanas que povoaram o Haiti; ligados ao vodu;

Guêde

Entidade espiritual auxiliar do Barão Samedi;

Houmfor

No vodu, é um pequeno edifício onde são guardadas as relíquias

sagradas, uma sala adjunta lateralmente aberta e um pátio ou

clareira onde se reúnem os adoradores;

Houngan

Tipo de feiticeiro, que no vodu tem capacidade de controlar os

zumbis; semelhante ao bokos;

Ioruba

Grupo étnico africano, que habita a Nigéria; há também a se

considerar a existência de língua, religião, mitologia e arte ioru-

ba; aparece também com iorubá;

Jeje-daomedana

Tribos de língua nagô (jeje-daomé-idana) que deram origem aos

cultos afro no Brasil;

Legba

Chefe do panteão do vodu, mediador entre o homem e os

espíri-tos;

Loa

Divindade tribal africana que se identifica com os santos do ca-

tolicismo; semelhante aos orixás do candomblé jejê-nagô;

Loa Petro

Espíritos malignos;

Loa Rada

Ligam-se aos indivíduos ou famílias como anjos da guarda, gui-as

e protetores;

Mambô

Sacerdotisa do vodu;

Orixá

Divindade africana (em especial jejê-nagô) das religiões afro-

brasileiras; são intermediários entre a divindade maior (Olorum)

e os homens; orixá quer dizer encantado; no sincretismo do

candomblé da Bahia, assemelha-se aos santos da Igreja Católi-

ca;

Parker

Boneca de cera, barro (em geral da terra de cemitérios) ou de

papel, representando a figura de seus inimigos, aos quais se

quer fazer mal ou destruir;

Veves

Símbolos misteriosos desenhados no chão ou nas sepulturas pa-

ra atrair os loas;

Vodu

Basicamente quer dizer nas línguas jejê-daomé, “espírito”; seita

africana disseminada pela América Central, a partir das cultu-ras

dos escravos; praticam a magia negra; aparece também co-mo

voo-doo ou vudu;

Vuduísta

Praticante (iniciado) do vodu;

Zombi

Tipo de morto-vivo, que por alguma maldição, na crença do vo-

du, após sua morte continua perambulando (em geral à noite)

pela terra, a partir dos cemitérios. Aparece também como

zumbi;