Diógenes e os cínicos

DIÓGENES E OS CÍNICOS

Cinismo é uma palavra com origem no termo grego kynismós, um sistema e doutrina filosófica dos cínicos. Em sentido figurado o cinismo tem uma conotação pejorativa, sendo que designa uma pessoa aguda e mordaz que não respeita os sentimentos e valores estabelecidos nem as convenções sociais. Alguém considerado cínico também pode ser alguém que é desavergonhado, descarado, imprudente, impassível ou obsceno. Hoje o verbete cínico nos remete à idéia de um individuo falso, um mau amigo, invejoso, mau-caráter.

O cinismo foi uma antiga escola filosófica grega, fundada por Antístenes († 365 a.C.), discípulo de Sócrates. Esse nome deriva segundo vários testemunhos, do fato de alguns membros da escola se reunirem no Cinósargo, ginásio situado perto de Atenas. Segundo outros, a sua origem vem da palavra grega kynos (que significa “cão”), pelo fato de Diógenes († 323 a.C.) de Sínop, na Turquia dormir no local que era usado frequentemente como abrigo para cães, comia restos de comida e lambia as poças d’água, para assim demonstrar o seu desacordo com o modo de viver dos homens de seu tempo.

Sintomaticamente, Diógenes dormia dentro de um barril. Sua atitude aponta para um desprezo diante dos modelos sociais de todos os tempos. Como o Chaves da história infantil da tevê, que vive em um barril, à margem do modelo social e afronta a todos com o deboche e o cinismo de seus ditos, igualmente o filósofo grego revela seu desprezo pelos valores sociais e culturais do seu tempo. É notável sua resposta quando, ao andar em Atenas, ao meio-dia, com uma lanterna acesa, e haver sido inquirido sobre aquele disparate, ele teria respondido: “procuro um homem...”. Esse homem seria alguém de caráter, uma pessoa correta, isenta de malícia e corrupção.

A maior virtude para os cínicos era a autarquia, que significa uma liberdade de bastar-se a si mesmo, e renunciar os bens e prazeres terrenos até conseguir uma total independência das necessidades vitais e sociais. O autodomínio permitia alcançar a felicidade, entendida como o não ser afetado pelas coisas más da vida, pelas leis e convencionalismos, que eram valorizados de acordo com o seu grau de conformidade com a razão.

O ideal de Diógenes era a indiferença perante o mundo. As origens da escola cínica, que remontam aos séculos III e II aC., com um ressurgimento posterior, nos séculos I e II d.C., foram objeto de discussão. Alguns filósofos a classificam como escola socrática, na linha de Sócrates-Antístenes-Diógenes. Outros negam a relação Antístenes-Diógenes, não a consideram uma escola socrática e vêm em Diógenes o seu fundador e inspirador.

O roteiro para entender a filosofia dos cínicos surge a partir daquele que foi chamado de “Diógenes, o cinico”. Os modernos termos cínico e cinismo derivam, como já foi dito acima, da palavra grega "kynikos", a forma adjetiva de kynes, que significa “cão”. Em sua ironia (quase um deboche) Diógenes acreditava que os humanos viviam artificialmente, de maneira hipócrita e poderiam ter proveito ao estudar e imitar o comportamento dos cães. Este animal é capaz de realizar as suas funções corporais naturais em público sem constrangimento, comerá qualquer coisa, e não fará estardalhaço sobre em que lugar dormir.

Os cães, como qualquer animal, vivem o presente sem ansiedade e não possuem as pretensões da filosofia abstrata. Somando-se ainda a estas virtudes, estes animais aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferentemente dos humanos, que enganam e são enganados uns pelos outros, os cães reagem com honestidade frente à verdade. Quando Diógenes morreu, seus amigos erigiram um monumento, onde colocarm um cão de bronze no topo.

Para os cínicos, a felicidade - entendida como autodomínio e liberdade - era a verdadeira realização de uma vida. Sua filosofia combatia o prazer, o desejo e a luxúria, pois isto impedia a autossuficiência. A filosofia da virtude - como em Aristóteles - deveria ser praticada e isto era mais importante que teorias sobre a virtude. Diógenes é tido como um dos primeiros homens (antecedido por Sócrates com a sua célebre frase “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo.”) a afirmar, “Sou uma criatura do mundo (cosmos), e não de um estado ou uma cidade (polis) particular”. Ele manifestou assim um cosmopolitismo relativamente raro em seu tempo.

Diógenes parece ter escrito tragédias ilustrativas da condição humana e também uma República que teria influenciado Zenon de Cítio, fundador do estoicismo. De fato, a influência cínica sobre o estoicismo é bastante saliente. Provavelmente, Diógenes foi o mais folclórico dos filósofos. São inúmeras as histórias que se contavam sobre ele já na Antigüidade, como a história da lanterna acesa procurando por homens verdadeiros (ou seja, homens auto-suficientes e virtuosos).

Igualmente famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava Alexandre, de pé fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para ele, disse: “Não me tires o que não me podes dar!” (a luz do sol). Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: “Se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes”. A seguir algumas sentenças atribuídas aos cínicos.

Eu concordo com as pessoas porque discordar faz com que

elas continuem falando;

Um preguiçoso é um homem que não finge que trabalha;

Arranhe um altruísta e veja um hipócrita sangrar;

A modéstia é a humildade de um hipócrita que pede perdão por

seus méritos aos que não têm nenhum;

O invejoso jamais vê uma qualidade alheia, e nunca deixa de ver

um defeito. É a coruja humana, vigilante na escuridão e cega à

luz.