O LEGADO DAS TROPEADAS

Polo de desenvolvimento econômico, fundação de cidades e aproximação de fronteiras as tropeadas constituem-se como parte indissociável da história do Rio Grande do Sul. O transporte de gado por regiões inóspitas através de estradas muitas vezes abertas pelos próprios tropeiros consolidava não somente o abastecimento por meio do comércio de gado, mas também a expansão do progresso que se fazia presente na fundação de vilas e cidades e a integração com outras partes do Brasil.

O gado disperso pelos campos gaúchos era a matéria principal da riqueza tropeira. Na região dos atuais estados do Paraná e Rio Grande do Sul, os padres jesuítas no início do século XVII, estabeleceram Missões Jesuíticas. Com o grande número de padres e maior ainda de índios a serem catequizados, foi preciso a introdução da atividade pecuária com o gado solto nas pradarias, para o sustento de todos. Alguns pesquisadores afirmam que em 1628 já havia rebanhos nas reduções jesuíticas, mas que somente em 1629 é que eles foram transportados para a margem esquerda do Rio Uruguai originando um imenso rebanho e com ele o nascimento da Vacaria do Mar . Esta região era frequentemente predada por espanhóis e portugueses na busca de gado para a alimentação das tropas militares o que obrigou os jesuítas a criarem a Vacaria dos Pinhais garantindo desta forma a manutenção do rebanho. A criação das Vacarias deu início a preia do gado selvagem por portugueses, índios de aldeamentos e moradores das terras espanholas que lucraram com a retirada do couro, exportado para a Europa.

No final do século XVII foi descoberto ouro na região das Minas Gerais, o que causou uma grande afluência populacional para a região causando a falta de alimentos e produtos básicos, além da necessidade de animais para o transporte de cargas oriundas da atividade mineradora. Então, nas enormes Vacarias ao sul do Continente estava a solução da dificuldade e a porta de entrada do gado gaúcho na história brasileira.

Nosso primeiro grande tropeiro foi o português Cristóvão Pereira de Abreu que nasceu em Ponte de Lima, Portugal no ano de 1680 vindo para o Rio de Janeiro aos 24 anos. Em 1722 realizou um grande negócio arrematando o monopólio de couros no Sul do Brasil chegando a exportar 500 mil peças por ano através da Colônia de Sacramento. Entre o Canal de Rio Grande e a planície de Quintão Cristóvão Pereira de Abreu instalou sua própria estância e estabeleceu um caminho por terra entre os pampas e o mercado que necessitava do gado. Por uma estrada aberta por Francisco de Souza Faria durante dois anos, que ia de Morro dos Conventos, em Araranguá, na planície costeira da atual Santa Catarina, até os campos de Curitiba, no planalto Cristóvão subiu pela primeira vez levando 800 cavalos e mulas ligando o Sul e a Vila de Sorocaba em São Paulo que tornou-se o grande entreposto de venda de gado no período de mineração. Na segunda viagem, com 3.000 mil animais e 130 tropeiros alargou e melhorou o caminho levando um ano e dois meses para chegar a Sorocaba. Mais tarde abriu outro caminho que ligava os campos de Viamão aos campos de Lages fazendo surgir então ao longo desta passagem os povoados de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e a Capela de Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria. Outras aventuras também foram protagonizadas por Cristóvão Pereira de Abreu, como sua convocação em 1735 para defender as fronteiras portuguesas por terra enquanto o Brigadeiro José da Silva Paes prestava apoio marítimo.

Com o estabelecimento das rotas, multiplicaram-se as tropas deslanchando o comércio de gado. A preferência por mulas e burros foi priorizada pois adequavam-se as regiões montanhosas como as de Minas Gerais. Estabelecidos como verdadeiros empresários do transporte, os tropeiros saiam com suas comitivas em setembro ou outubro quando devido as chuvas as pastagens apresentavam-se em boas condições pelo caminho. Apesar de rentável a lida tropeira apresentava dificuldades e cobrava sacrifícios. Ao final de cada dia, tapavam as cargas dos animais com couro e deitavam no chão, também sobre um pedaço de couro para o merecido descanso, em alguns pontos havia ranchos para o pouso onde eram oferecidos alojamentos cobrando apenas o pasto e o milho consumido pela tropa. A alimentação tropeira buscava suprir as necessidades do corpo e baseava-se em toucinho, feijão preto, pimenta do reino, café, fubá e carne seca.

O tropeirismo teve seu auge entre 1725 e o final do século quando foi atingido pelo declínio da mineração mas o Rio Grande do Sul continuou sua senda de fornecedor a outros centros, pois o charque começava a ser produzido na região de Pelotas onde os rebanhos encontrariam uma nova destinação.

O grande impacto sofrido pelo tropeirismo foi a instalação das ferrovias no final do século XIX conseguindo contudo manter-se embora em menor escala, até a década de 50 do século XX.

Até hoje as lidas eternizadas pelos tropeiros fazem parte do imaginário gaúcho que revive tais atividades tanto pelo trabalho quanto pela arte poética e histórica. O grande vate Francisco Lobo da Costa em seu poema intitulado Lá... que é considerado o primeiro poema de cunho regionalista do Rio Grande do Sul, composto em São Paulo no ano de 1874, menciona a presença destes desbravadores e do gado por eles conduzido:

Na minha terra, lá... quando

o luar banha o potreiro

passa cantando o tropeiro,

cantando...sempre cantando...

depois descobre-se o bando

do gado que muge adiante,

e um cão ladra bem distante...

Lá... bem distante!...na serra!

– Nunca foste a minha terra?

Um ciclo passado, uma história eternizada, um Estado edificado. Na verdade as tropeadas legaram a cada um de nós uma identidade construída por caminhos de trabalho e sacrifícios que apesar de tudo conservavam e conservam um lirismo pujante e uma saudade imensa até nos que não viveram estes tempos. Muito obrigado Tropeiros!