Deturpações de títulos cinematográficos

DETURPAÇÕES DE TÍTULOS CINEMATOGRÁFICOS
Miguel Carqueija


Há décadas percebo que, no Brasil, existe a mania de alterarem para pior (e até absurdamente pior) os títulos de filmes estrangeiros que nos chegam. É preciso muito cuidado, você pode ser iludido com o título.
Rita Pavone foi extremamente prejudicada quando seu filme “La feldmarescialla” (A marechalíssima) chegou ao Brasil pois o distribuidor, só por causa da presença de Terence Hill no elenco, sapecou “Trinity vai à guerra”. Explicação desse título criminoso, infelizmente mantido na edição em DVD (que pelo menos não cortou, como fizeram em nossos cinemas, os números musicais da Rita): Terence Hill, pseudônimo do ator Mario Girotti, ficou muito conhecido interpretando — na verdade que eu saiba em somente duas fitas — um personagem de faroeste italiano cômico chamado Trinity. Então, tudo quanto era filme com Terence Hill que nos chegava, não conversavam: tascavam o nome Trinity no título, sem corresponder ao título original e sem haver tal personagem no enredo.
Com “La feldmarescialla”, de 1967, que aqui nos chegou com atraso de 12 anos (e só por isso fizeram tal lambança, se tivesse chegado em 1968 ainda não haveria Trinity...) a coisa foi mais imperdoável ainda, senão vejamos: Terence Hill era o terceiro nome do elenco na ficha técnica (o primeiro era Rita Pavone, o segundo Frances Blanche); a titulação original referia-se a personagem feminina, ou seja a interpretada pela Pavone; não era faroeste e sim comédia de guerra; o personagem interpretado por Hill era um pacato professor e inventor chamado Giovani, que nem ia à guerra, apenas procurava fugir dos nazistas. E se levarmos em conta que a personagem de Rita chamava-se Rita mesmo, na tradição dos antigos comediantes (Harold Lloyd, Charlie Chase, Laurel & Hardy, os Três Patetas, Charlie Chaplin, Lucille Ball) e que Rita Pavone ainda interpretava cinco canções na trilha sonora, chegamos à conclusão de que o filme foi feito para ela. Então como justificar tal barbaridade perpetrada no Brasil???
Walt Disney, o grande Walt Disney, foi duramente prejudicado em suas produções de imagem real exibidas em nosso país. Lembro bem de vários casos:
“The parent trap” (Armadilha para pais), de 1960 com Hayley Mills, virou “O grande amor de nossas vidas”, um dos muitos nomes estapafúrdios e escandalosos implantados nas versões brasileiras.
“The absent-minded professor” (O professor distraído) com Fred Mac Murray, 1961, passou a ser “O fantástico super-homem”, só porque o professor do título inventou uma borracha voadora e fez voar um carro.
A continuação, do ano seguinte, “Son of flubber” (o derivado, ou o filho da flubber): “O fabuloso criador de encrencas".
“The monkey’s uncle” (O tio do macaco), 1964: “O maravilhoso homem que voou” (meu Deus!).
“Moon pilot” (Piloto lunar) de 1961: “O incrível homem do espaço”. Sempre essas grandiloquências ridículas.
“The happiest millionaire” (A festa milionária), obra póstuma de 1967 (Disney falecera em dezembro de 1966): “Quando o coração não envelhece”.
“The tree lives of Thomasina” (As três vidas de Thomasina), de 1963, por sinal a história de uma gata: mudaram para “Um grande amor nunca morre”, ficou parecendo título de novela das oito. Felizmente anos depois, na televisão, puseram a tradução certa.
Todas essas barbaridades fizeram com Walt Disney, o maior gênio da história do cinema.
Uma obra-prima de 2005, co-produção canadense-norte-americana, “Hard candy” (O doce amargo) com Ellen Page, tremendo libelo contra a pedofilia, puseram no Brasil o título machista de “Meninama.com”, como se a personagem Hayley Stark fosse a vilã e não, como de fato é, a heroína da história.
É pena que não sejam divulgados os nomes dos responsáveis por tais desvirtuamentos. Seria interessante poder execrar tais indivíduos perante a opinião pública...

Rio de janeiro, 1° de outubro de 2017.