Cirilo não tem dignidade (20-11-2017)

Neste dia da Consciência Negra, podemos lembrar de uma novela mexicana que marcou a infância de muitas pessoas e até hoje é lembrada com saudosismo: Carrossel. Muitos adultos adorariam ter sido alunos da meiga professora Helena, interpretada por Gabriela Rivero, quase uma santa de tão bondosa. A novela, passada no SBT, foi tão marcante que recentemente rendeu até um remake, o que mostra como ela continua rendendo audiência, mesmo tanto tempo depois da exibição da versão original.

Entre as muitas crianças que estudavam com a angelical professora, encontrava-se Cirilo, menino negro, pobre e de uma ingenuidade quase inacreditável, que era apaixonado pela colega de turma Maria Joaquina, rica, branca e arrogante. Era realmente humilhante a forma como a menina esnobava Cirilo, que tudo fazia para ganhar sua atenção. A gente não sabia se sentia raiva ou pena dele, que se humilhava e, muitas vezes, era consolado pela professora e aconselhado pelos outros colegas a parar de perder tempo correndo atrás de quem não lhe dava atenção por ser pobre e negro.

Hoje, assistindo a algumas cenas disponíveis no You Tube, talvez nos perguntemos se a novela, que tinha um propósito explicitamente educativo, realmente contribuiu para a causa negra porque, em primeiro lugar, Cirilo, como podemos observar, não tem dignidade. Além de ingênuo, ele é passivo e não se defende quando Maria Joaquina o ofende por causa de sua cor. Seria bom que alguém lhe dissesse que, ao atacá-lo, ela atacava também as pessoas da família dele, seu povo, cultura e ancestrais. Porém, ele ficava atrás dela como um cão mendigando atenção. A professora Helena deveria tê-lo aconselhado a não se humilhar nem ir atrás de quem ofendia sua raça com tanta agressividade. E, na época em que a versão original foi produzida, não existia a capa do politicamente correto, o que permitia que o racismo fosse retratado com tintas fortes.

No remake, em que Larissa Manoela fez a enjoada e insuportável riquinha, o racismo não ficou tão escancarado, o que irritou muitos fãs da primeira versão. Aliás, é estranho que a menina fosse tão racista pois seus pais, embora ricos, não eram arrogantes e viviam a lembrá-la que não devia tratar Cirilo mal por ser negro.

Entretanto, mesmo que a gente sentisse raiva da arrogância de Maria Joaquina, também não podia deixar de sentir impaciência com Cirilo, porque ele era grudento e vivia choramingando por sua atenção, chegando a ser chato de tão suplicante. Anos depois do fim da novela, o próprio ator que o interpretou disse em uma entrevista que chegava a sentir raiva da docilidade servil do personagem, reforçando que nunca teria se rebaixado daquela forma, bajulando quem o maltratasse por ser negro.

De fato, Carrossel apresentou um retrato negativo dos negros ao mostrar um personagem boboca, chorão e que não defendia sua raça. Uma coisa bem irritante nele era quando seus colegas perguntavam por que ele não desistia dela e ele respondia com aquele ar pateta: "Ela é tão lourinha", fazendo-nos até suspeitar que ele, inconscientemente, não gostava de sua própria cor e era racista consigo próprio, algo que existe na vida real. Muitos negros detestam ser negros. Podemos ver que é comum negros bem-sucedidos só se relacionarem com gente branca. Claro que não é errado negros e brancos se relacionarem. O problema é que o racismo presente na sociedade leva muitos negros a odiarem a própria cor, ainda que não o admitam.

Enfim, os que produziram a novela poderiam ter aproveitado melhor a chance de mostrar a questão do racismo, fazendo Cirilo deixar de se comportar daquela forma, correndo atrás da coleguinha esnobe e grosseira e passando a respeitar a si próprio e a exigir respeito aos negros. Pena que a professora Helena, que sempre dava tão bons conselhos, não ensinou ao seu aluno a importância de defender a sua raça com orgulho e coragem, o que teria sido uma boa lição para os que assistiam a Carrossel.