COMO QUEIMAR UMA IGREJA NA FRANÇA
 
Através de um amigo tomei conhecimento de um texto que o arqueólogo Claudio Prado De Mello postou recentemente sob o título de “A QUEM INTERESSA A DESTRUIÇÃO DO PATRIMÔNIO RELIGIOSO NA FRANÇA?”

De Mello informa uma coisa gravíssima que está (ou esteve?) a reboque do incêndio de Notre-Dame: a divulgação, pelo Governo Francês, de uma lista de Igrejas a serem demolidas. Mas, como desgraça pouca é bobagem logo em seguida ele nos deixa com o coração na boca ao mencionar os efeitos angustiantes da invasão da contracultura no Ocidente.

Estou à vontade para defenestrar a contracultura porque eu a vi de perto nos anos 1960-1970 quando eu era bem jovem. A contestação social estava no auge naqueles dias, sempre guiada por jovens que frequentemente usavam os meios de comunicação em massa para incensar a cultura alternativa ou marginal. Eles buscavam, e até conseguiram, transformar consciências, valores e comportamentos graças à promessa de mais liberdade. Para que, se não sabiam sequer desfrutar com sensatez a que lhes fora outorgada? Foi, por assim dizer, a incubadora perfeita do movimento hippie.

O tempo passou, os hippies envelheceram ou se tornaram capitalistas, mas a semente da anarquia nasceu e prosperou – sempre onde a liberdade é levada ao extremo. A França é o exemplo perfeito desse desatino por ser ancestral e espelho para o mundo inteiro em todas as vanguardas da cultura e da ciência, mas que, sustentada pela ilusão de um movimento revolucionário baseado na igualdade, legalidade e fraternidade se deixou levar pelos exageros até chegar à posição de notoriamente decadente que ostenta hoje em dia.

Não fosse assim não haveria a tal lista de Igrejas a serem demolidas. Mais ainda, não teriam sido queimados, em apenas dez meses, dez desses monumentos – cinco em 2018 e cinco em 2019. Contudo, voltando no tempo, de 2000 até 2019 já foram contabilizadas 33 igrejas no rol das incendiadas na França. Curiosamente, o Senado daquele país anunciou que serão demolidos 2,8 mil templos – muitos com muitos séculos de existência – porque o custo de demolir é menor do que o de restaurar e porque (pasmem!) o número de fiéis ficou muito reduzido nas últimas décadas.

No lugar das Igrejas: shoppings, lojas, estacionamentos e edifícios de habitação coletiva. Aproximadamente 20% dos noventa mil tempos religiosos franceses são protegidos por seu valor histórico ou arquitetônico e este é preço que se paga por ter uma história a preservar (lembremos que no Brasil a Igreja Católica também não é boa guardiã de suas construções e, em todos os lugares, houve inúmeros casos de edificações do século XVIII ou XVII derrubadas para dar lugar a novas igrejas com arquitetura de mau gosto). O poder público, como o apressado marido da viúva que se casou pensando em sexo sem saber quantos filhos ela tinha, alega que não tem recursos para preservação. Lá, como aqui, ficam esperando que os fiéis (povo, lógico) paguem as contas. Na França, com o notável crescimento da população islâmica, muitas igrejas dão lugar a Mesquitas. No Brasil, a farmácias ou supermercados.

Sim, a França retrocedeu em valores e cultura. É bem verdade que heresias já eram cometidas contra seus monumentos históricos desde o século XVIII. O escritor Victor Hugo, um aficionado pela Arquitetura, já se queixava das mutilações de Notre-Dame de Paris, atribuindo-as principalmente aos arquitetos, mas também a outros: “elas vêm de todas as partes, de dentro, assim como de fora. O padre pinta-as, o arquiteto raspa-as e depois vem o povo, que as demole”. Não se lembrou de dizer que este povo eram os revolucionários (Revolução Francesa); retaliavam com fúria nobres e membros da igreja e se vingavam deles destruindo castelos e igrejas. Mas, com a restauração da Monarquia na França em 1814 foi criado o cargo de Inspetor Geral dos Monumentos Históricos e o país se encarregou de colocar as obras de arte sob a tutela do Estado. Chamou-se aquilo de construção da identidade nacional. Pois, agora, estão a perdê-la.

Nesses dias demolir está virando cultura. Pois então: depois de abominar ferozmente a contracultura dos anos 1960 vou agora defendê-la, mas em outro formato, o dos protestos organizados de gente que respeita o sagrado direito das coisas permanecerem como estão.
Cornélio Zampier Teixeira
Enviado por Cornélio Zampier Teixeira em 08/05/2019
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