O mundo peculiar das novelas mexicanas

Quem já assistiu às novelas mexicanas exibidas pelo SBT já deve ter reparado em muitos aspectos comuns a todas elas:

1- a protagonista, que quase sempre é uma moça virgem, pobre, ingênua e que tem que lutar para sustentar os que ama, sofre bastante e sempre se apaixona por um rapaz de família riquíssima. Novelas como Esmeralda, A usurpadora, as três Marias (protagonizadas por Thalia) e Rosa Selvagem são exemplos perfeitos de como as tramas funcionam. Geralmente, ela é seduzida, fica grávida e passa por coisas inimagináveis como ser presa injustamente, ser separada dos filhos ou do seu grande amor por causa de uma mentira, mas dá a volta por cima, frequentemente descobrindo que é a filha perdida de algum milionário;

2- o galã é fraco e sem personalidade, mas muito bonitão;

3- o vilão, contrariando os mocinhos, é malvado ao extremo. Muitas são as vilãs que se tornaram antológicas, como a Soraia de Maria do Bairro e a Paola de A usurpadora;

4- Enquanto a mocinha é inocente, virginal e pura ao extremo, a vilã é sensual, ambiciosa, quer usar sua beleza a seu favor e é capaz de todas as maldades;

5- Os mocinhos são tão otários que a gente chega a ter raiva deles;

6- Após muito sofrimento, a mocinha termina rica, feliz para sempre ao lado do amado;

7- Nas novelas infantis, geralmente o protagonista (menino ou menina) é órfão e pobre;

8- Sofre-se e chora muito nessas novelas. Chegamos a pensar que as protagonistas deveriam andar com um balde para colher as lágrimas.

Assistindo a essas novelas (não é problematização, apenas uma observação), vemos que a verossimilhança realmente não é um quesito que os autores consideram. Claro que isso não é algo que se está pretendendo levar muito a sério aqui. Afinal, os próprios telespectadores já devem ter percebido nessas tramas muitas coisas que não fazem sentido. Novela é algo a que se assiste para se divertir.

Ao compararmos as novelas mexicanas com as brasileiras, podemos notar umas diferenças fundamentais. Enquanto nas brasileiras é comum haver muitas tramas paralelas (algumas chegam a roubar a cena da história principal), nas mexicanas não há tanto espaço para outras tramas. O foco mesmo está no drama da protagonista.

Vejamos um caso de novela que fez muito sucesso aqui, sendo reprisada várias vezes: A usurpadora. A trama é um belo exemplo de inverossimilhança. Sabemos bem que Paulina, a mocinha, foi obrigada pela vilã Paola a assumir seu lugar por causa da incrível semelhança entre ambas. Ao conhecer a família, Paulina viu uma família desestruturada e resolveu ficar para ajudá-los, comprometendo-se a ser descoberta e ir para a cadeia. Na vida real, com certeza, ela teria pulado fora desde o começo para não ir presa por assumir o lugar de outra pessoa. Até porque, tirando a semelhança, era óbvio que não era Paola.

Enquanto nos últimos tempos as protagonistas de novelas brasileiras já não podem mais ser apenas boazinhas, mas precisam ter personalidade e ser espertas, algumas até agindo de forma cinzenta, nas mexicanas a bondade das protagonistas chega a ser irreal. Em novela mexicana, ser bom é ser trouxa, otário, chegando a dar raiva aos espectadores.

Há momentos em que temos vontade de entrar na trama para dar uns tapas nas protagonistas para deixar de ser tão otárias. Maria do Bairro e Paulina de A usurpadora são bons exemplos. Paulina, para termos uma ideia, assumiu a culpa e inocentou Paola quando a trama para que ela assumisse seu lugar foi descoberta, aceitando a ideia de passar anos na cadeia por uma pessoa que tinha feito tudo para prejudicá-la desde o começo e, mesmo depois que Paola, no tribunal, ainda acusou Paulina de ameaçar matá-la, Paulina se declarou culpada. O ponto máximo de idiotice de Paulina se deu quando Paola estava morrendo num hospital e Paulina chegou a prometer que, se a irmã gêmea se curasse, ela se tornaria irmã de caridade. É inacreditável ver alguém se sacrificando assim por uma pessoa que por pouco não a destruiu. Pensamos que ela não lutava para ser feliz, mas para ser santa. Uma exceção à regra de protagonistas boazinhas e idiotas é a Rubi, uma protagonista vilã. Porém, Rubi teve final trágico, perdendo uma perna e ficando desfigurada.

Aliás, é comum que os personagens bons sejam servis e essas novelas ensinam que, quanto mais uma pessoa for servil, mais ela será recompensada. Um bom exemplo de protagonista servil é a Luz Clarita (remake de Chispita) órfã que vai servir de companhia à filha problemática de um milionário. Desde o começo, a menina a maltrata, chegando a fazer com que a mocinha otária assuma a culpa por ter destruído um objeto importante do pai. Uma cena que chama a atenção é quando uma prima da menina vai visitá-la e diz a Luz Clarita: carregue minha mala, menina idiota." E Luz Clarita, muito servil, vai carregar. Mas no final, Luz Clarita conquista a todos, até mesmo a menina rabugenta, encontra sua mãe e ainda fica vivendo na casa milionária, pois sua mãe casa com o ricaço. Ficar rica é a recompensa para os protagonistas.

Enfim, o mundo dessas novelas é mesmo muito peculiar e nós assistimos para nos divertir, não devendo levar as tramas a sério. Gabriela Spanic, que fez as gêmeas de A usurpadora, disse em várias entrevistas que nunca agiria como Paulina. Como vemos bem, nem mesmo as atrizes que se consagraram fazendo heroínas idiotas querem seguir o mau exemplo.