Quadrinhos de antigamente

QUADRINHOS DE ANTIGAMENTE
Miguel Carqueija

Muitas revistas de quadrinhos e tiras em jornais existiram nas décadas passadas e hoje se encontram completamente esquecidas. No meu tempo de criança e adolescente conheci as revistas “Mindinho” (com a turma do Pernalonga), “Papai Noel” (com Tom e Jerry), “Údi-údi” (era como então traduziram o Woody Woodpecker, ou seja, o Pica-Pau), “Luluzinha”, “Bolinha”, “Vida Infantil”, “Vida Juvenil”, “O Tico Tico” (em seus últimos anos, pois durou mais de meio século), “Sesinho”, “Pinguinho”, “Diversões Escolares”, “Popeye”, “Pinduca”, “O Gato Félix”, sem falar nas revistas Disney: “O Pato Donald”, “Mickey”, e o “Almanaque Tio Patinhas” que veio depois.
Havia revistas brasileiras! Não as do Maurício de Souza, hoje onipresentes, com sua Turma da Mônica. Eu simpatizo com Maurício de Souza, mas suas histórias, repetitivas e com traçado redondo e sem proporção, nunca me atraíram. Aliás elas não têm o lance que, em quadrinhos infantis, sempre atraiu mais a garotada: a humanização de animais.
Walt Disney e sua equipe criaram um universo em que uma porção de raças animais humanizadas coexistiam na Terra em harmonia, como se fosse uma única raça: patos, cachorros, ratos, vacas, cavalos, gansos, gatos, todo mundo usando roupas e falando. Há um pouco disso nos “Looney Tunes” com a turma do Pernalonga, só que aqui os animais, embora bípedes e falantes, não usam roupas.
E havia personagens nacionais. Na saudosa “Vida Infantil” podíamos encontrar por exemplo a dupla Lourolino e Remendado, um papagaio e um jabuti que estavam sempre juntos e logo se tornaram um trio, com a adoção de uma criança ave, corvo ou coisa parecida, o Zulu. Havia um vigarista profissional chamado Cid Bengala, um bode. E um malandro muito popular, o Pituca, um macaco engraçado e simpático porém desonesto, que sempre se dava mal em seus golpes, mas só no final. Sua série chamava-se “Os enganos do Pituca”, para mostrar que o que ele fazia era errado.
Havia histórias mais para adolescentes. A “Vida Juvenil” mostrava por exemplo o CB (iniciais do nome que eu já não recordo), um estudante. CB era divertido, um herói adolescente.
Da Itália vinha o “Xuxá”, e este nome estranho referia-se a um repórter itinerante que se metia nas maiores trapalhadas pelo mundo, acompanhado pelo amigo Tigrinho e às vezes pela namorada Tininha.
A turma do Pernalonga incluía o Patolino, invejoso e histérico, o Frajola, esfomeado, o Piu-Piu, canário sádico e que se fazia de inocente, o Gaguinho, um porco, seu primo Cícero, ainda menor de idade, e sua namorada Petúnia (ninguém se casa nessas HQ’s infantis), o lesado humano Hortelino Trocaletra, que andava de espingarda sempre perseguindo o Pernalonga (também ele vivia assaltando a plantação de cenouras do outro). E ainda o Frangolino, um galo, o Chiquinho Gavião, que vivia tentando pegar as galinhas, o Speedy Gonzalez (aquele ratinho veloz, mexicano). O Papa-Léguas apareceu depois juntamente com o Coiote. Era um universo quase totalmente masculino, mas eu nem notava. Sim, apareciam as historinhas de Laura Jane, a menina que vivenciava aventuras fantásticas com um ratinho vestido, o Tiquinho.
A revista do Donald, a partir de certa época passou a revezar com a do Zé Carioca. Uma semana saía o pato, na outra, o papagaio.
Uma coisa que eu não ligava eram os super-heróis. Li pouquíssimas revistas dessas figuras, embora acompanhasse as tiras do Super-Homem, Mandrake e Fantasma (além do Tarzan e Flash Gordon) diariamente no jornal “O Globo” que meu pai sempre comprava, e naquele tempo era um bom jornal. Naquele tempo, bem entendido, décadas de 50 e 60.
Mas os super-heróis daquela época eram ingênuos, suas histórias cheias de furos mas sem a teratologia que passou a ser dominante nesse gênero nas últimas décadas.
Todo aquele mundo inocente praticamente se perdeu e até a lembrança da maior parte dos personagens está indo pelo ralo. Em seu lugar, o horror dos super-heróis, em revistas e filmes, um mundo de violência em meio a destruição e bizarrices. E as nossas gerações bebendo desse veneno.

Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 2019.