A Influência da Filosofia de Christian Wolff na Psicologia Científico-Experimental do Século XIX.

Universidade de Pernambuco. UPE.

Bacharelado em Psicologia.

Cadeira de História da Psicologia.

Prof: Djailton da Cunha.

Discente: Raul Magalhães Brasil.

I. Introdução.

Christian Wolff foi um filósofo alemão do século XVIII situado no período da filosofia conhecido como o “iluminismo alemão”, que se encontra entre a filosofia moderna e a filosofia contemporânea. Wolff, apesar de desconhecido e pouco falado, é detentor de uma contribuição monumental para a filosofia e para a psicologia de seu século e do século seguinte. Neste ensaio buscaremos introduzir muito brevemente o leitor ao sistema filosófico wolffiano e fazer um, também breve, itinerário que parte da filosofia de Wolff e demonstra como ela influenciou muito mais do que diretamente a psicologia científico-experimental do século XIX, capitaneada por Fechner, Wundt e James.

II. Apresentação do Sistema Wolffiano.

É possível fazer certos paralelos interessantes entre as biografias de Descartes e Wolff. Como citei em meu ensaio “As Influências Filosóficas da Idade Moderna na Psicologia” Descartes demonstra em seu livro “Discurso Sobre o Método” sua insatisfação com os métodos das áreas da filosofia, da teologia, da geometria e até mesmo das ciências naturais em encontrar os subsídios da verdade; assim sendo, Descartes desenvolve um método próprio de investigação: sua dúvida metódica, que tinha por objetivo chegar às verdades auto-evidentes. Como Heidegger aponta na quarta seção de seu livro “História da Filosofia: de Tomás de Aquino a Kant", Wolff sofre influências diretas da filosofia de Descartes(assim como sofre da filosofia de Leibniz e da filosofia escolástica), de tal forma que chega até mesmo a resgatar o cogito cartesiano. Assim como Descartes, Wolff encontrava-se insatisfeito com os métodos que a filosofia até então utilizou na investigação e na busca pelas verdades.

Os períodos moderno e do idealismo alemão sofrem influência das grandes descobertas científicas de suas épocas. O philosophia naturalis principia mathematica de Newton, a revolução copernicana do heliocentrismo, a gravidade e a cinemática de Galileu… Talvez a filosofia deva se inspirar no insurgente método de investigação científica que levou a tão grandiosas descobertas, talvez fazer filosofia como se faz física ou matemática possa resolver os paradoxos, as antinomias e as dúvidas que os filósofos têm tido a tantos anos, é preciso saber até onde a filosofia pode conhecer e até onde a matemática pode conhecer! É assim que Wolff pensa a filosofia e é assim portanto, que ele apresenta o seu método no livro “Discurso Preliminar Sobre a Filosofia em Geral”: uma tentativa de fazer uma filosofia experimental como se faz a física experimental, de unir a filosofia com a matemática: para Wolff não há nada mais importante do que a certeza, e deste modo, Wolff conclui: “tudo o que é finito pode ser matematizado”.

Como antes dito, Wolff sofre influência direta da filosofia de Leibniz. Mas como Heidegger nos apresenta(no já citado livro), Wolff vai muito além da teoria das mônadas apresentada em Monadologia(de Leibniz) e apresenta mais do que uma sistematização da metafísica leibniziana. Ele resgata a filosofia escolástica e cria uma enciclopédia de filosofia própria, trilhando o conhecimento a partir da sua gênese, abarcando e unindo as mais diversas áreas de conhecimento. Wolff parte do princípio de razão suficiente de Leibniz para investigar as razões pelas quais as coisas existem e acontecem, a filosofia deve ter certeza máxima sobre essas coisas, partindo de um conhecimento histórico(isso é, do conhecimento factual adquirido pelos sentidos), trilhando o caminho da reflexão filosófica e atingindo a certeza da matematização, chegando assim na razão categórica do porquê das coisas. A filosofia, portanto, parte dos sentidos e persegue um caminho que une os conhecimentos apriorísticos e aposteriorísticos sobre a experiência factual, realizando uma investigação do objeto que necessita de todas as frentes do conhecimento para concretizar o ato da certeza. Assim a filosofia torna-se não somente filosofia transcendental mas também uma filosofia experimental, que pode ser testada, medida, discutida, enfim, experimentada.

Tal investigação se dá de forma sistemática e, para tanto, Wolff divide a filosofia em quatro principais frentes ou disciplinas fundamentais, essa divisão tem uma função tanto epistêmica quanto didática. O ponto de partida para a divisão da filosofia é o ser, e existem 3 tipos de seres que Wolff busca compreender em sua filosofia: os corpos materiais, a alma e Deus. Para investigar os corpos materiais, Wolff designa a física, para investigar a alma, Wolff designa a psicologia e para investigar Deus, Wolff designa a teologia. Heidegger aponta que todos esses objetos têm algo em comum: são essência, é pensando nisso que Wolff designa uma filosofia que trata das essências e dos seres em geral: a ontologia. Para explicar os corpos materiais em geral e o mundo como um todo, é designada a cosmologia geral. E por fim há a filosofia prática, que trata da faculdade da alma em decidir seguir o bem ou não, e tratando-se de uma faculdade da alma, a filosofia prática se liga intimamente à psicologia. Wolff aplica o método matemático para apontar para uma hierarquia desses saberes, organizando-os da seguinte forma: 1) lógica. 2) metafísica. 3)filosofia prática. 4)física. De tal maneira que a metafísica abarca a ontologia, a cosmologia geral a psicologia e a teologia geral.

III. A Psicologia Empírica de Christian Wolff.

Agora que já sabemos do que se trata o sistema wolffiano, vamos focar no que Wolff entende por psicologia, e explorar o seu conceito de psicologia empírica, que tem uma influência posterior sobre a psicologia experimental.

O projeto psicológico de Wolff ganha os seus contornos definitivos somente na obra “Discurso Preliminar”. Em seu sentido mais geral, a psicologia pode ser definida como “a parte da filosofia que se ocupa da alma”. A tarefa da psicologia é fornecer a razão suficiente para as coisas que são possíveis através da alma. Para garantir esse conhecimento(lembre-se que a certeza é a coisa mais importante aqui) a psicologia deve trilhar o caminho das certezas: começar pela experiência factual, percorrer a reflexão filosófica para, aí então, ser matematizada. Com isso, Wolff dá uma guinada na psicologia: incluindo-a em seu sistema a filosofia passa a ser passível da experiência, tornando-se uma psicologia empírica[empirische Psychologie] e passa a ser passível de matematização, de tal forma que se podem medir e investigar os fenômenos psíquicos como se medem e investigam os fenômenos da natureza. Para fins didáticos, Wolff divide a psicologia em psicologia empírica e psicologia racional, onde a primeira pode ser definida como uma “ciência que estabelece através da experiência a razão suficiente dos fenômenos psíquicos” e a segunda como uma “ciência que estabelece a priori todas as coisas observadas a posteriori através da experiência psíquica, deduzindo e inferindo novos conhecimentos a partir dos pré-estabelecidos”.

Wolff irá desenvolver melhor a sua psicologia empírica na obra “Prolegomena”, onde ele demonstra o modo de proceder desta psicologia. Ele aponta que o conhecimento factual da alma se dá através de nossas experiências através dela, assim, atentando para as nossas percepções e sentidos damos o primeiro passo para ter o conhecimento dos eventos mentais. É dessa forma que Wolff estabelece a introspecção como seu método de investigação psicológica. No século seguinte o método wolffiano influenciará o cientista Wilhelm Wundt, que explorará de maneira ainda mais científica o método introspectivo de Wolff, corrigindo-a e reforçando-a.

Anteriormente a Wolff a psicologia é vista uma disciplina absolutamente filosófica, apriorística, não-experimental e não-científica, incapaz de ter um método fiel de investigação. Wolff muda essa situação, e dá à psicologia um objeto de estudo, um método confiável de conhecimento, e demonstra a possibilidade de que os fenômenos mentais podem ser tão bem explorados quanto qualquer fenômeno da natureza. Nesse sentido Wolff vai dizer:

“O psicólogo imita o astrônomo que deriva teorias de observações e corrobora a teoria através de observações, e que, com a ajuda da teoria, é levado a observações que de outro modo ele poderia não obter. (WOLFF, Christian apud ARAUJO, Saulo de Freitas. 2012)

IV. A Influência da Psicologia Wolffiana na Psicologia Científico-Experimental.

Se até o presente momento do ensaio não ficou claro de que forma a psicologia empírica de Wolff tem uma influência decisiva sobre o surgimento da psicologia científica, permita-me pormenorizar-me sobre como se deu esse processo.

No ensaio anterior, denominado “A História da Consolidação da Psicologia Enquanto Ciência” investigamos de que forma cientistas, matemáticos, físicos e filósofos contribuíram para que a psicologia fosse reconhecida como uma ciência independente. A contribuição de Wolff não se dá no âmbito prático de matematizar os fenômenos psíquicos, como faz Fechner, ou de buscar fundar uma nova ciência, como faz Wundt, a contribuição de Wolff está ainda no campo teórico e ideal, ele aponta para algo que os cientistas e filósofos até então negavam categoricamente: a gritante possibilidade da matematização da psicologia e a investigação metódica dos fenômenos da mente. Wolff apresentou um método para a psicologia, um objeto de estudo, e desse modo ele mudou os ventos pelos quais essa disciplina navegava, fazendo-a adentrar paulatinamente nos mares das ciências. A divisão que Wolff faz da psicologia entre psicologia racional e psicologia empírica constitui a base de todo o desenvolvimento posterior da tradição psicológica alemã. A contribuição de Wolff foi pioneira e, desse modo, fundamental. Wolff é o primeiro a usar o termo psicometria[Psycheometria] ao apostar na possibilidade de calcular e medir os fenômenos da mente, esse ideal pragmático como antes dito, atinge seu ápice na produção de Fechner, que consegue, de fato, concluir o projeto de matematização da psicologia wolffiana, apontado a confiabilidade e o caráter pioneiro do seu sistema filosófico.

Além dessa contribuição teórica decisiva podemos destacar a influência de Wolff sobre a língua e a cultura alemã, é a popularidade de seus escritos que estabelece na língua alemã as terminologias psicológicas e filosóficas que vigoram até os dias de hoje, e que seriam importadas para outros países, Wolff unifica, nos campos da filosofia e da psicologia, a dificílima língua alemã. São usuários dos termos e, portanto, da filosofia wolffiana, nomes como Schopenhauer, Kant, Herbart, Wundt, Fechner, Freud e até mesmo Heidegger.

V. Conclusão.

Ao atentar para a influência de Christian Wolff sobre a psicologia científica conseguimos vislumbrar um conhecimento enciclopédico transversal do saber, que une diversas áreas do conhecimento em uma hierarquia sem monarca, rei ou imperador, nesse sistema, a psicologia é comparável á astronomia e o método filosófico anda de mãos dadas com a matemática. É preciso redescobrir Christian Wolff na filosofia e na psicologia contemporânea, atentar para seu sistema e seu método, e para a possibilidade da Vereinigung von Wissen[união dos saberes]. É preciso reconhecer, mais uma vez, a importância e a influência deste filósofo esquecido sobre a história da psicologia, percebendo-o como um dos alicerces da psicologia científico-experimental, apresentando sua filosofia, sua psicologia e seus termos aos psicólogos e filósofos em formação que, muitas vezes, ignoram a contribuição deste grande homem para as ciências da humanidade.

Referências

ARAUJO, Saulo de Freitas. O Lugar de Christian Wolff na História da Psicologia. Universitas Psychologica 11(03):1013-1024. June 2012. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/239523089_O_Lugar_de_Christian_Wolff_na_Historia_da_Psicologia_The_Place_of_Christian_Wolff_in_the_History_of_Psychology> Acesso em: 7 de mar. de 2021.

ARAUJO, Saulo de Freitas. O passado e o futuro da psicologia experimental: contribuições de Fechner, Wundt e James. Psicol. pesq., Juiz de Fora , v. 14, n. 3, p. 23-43, dez. 2020. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-12472020000300004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 8 de mar. de 2021.

BRASIL, Raul M. As Influências Filosóficas da Idade Moderna na Psicologia. Recanto das Letras, fev. 2021. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7197205>. Acesso em 8 de mar. de 2021.

BRASIL, Raul M. A História da Consolidação da Psicologia Enquanto Ciência. Recanto das Letras, fev. 2021. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/7198656>. Acesso em 8 de mar. de 2021.

HEIDEGGER, Martin. História da Filosofia: de Tomás de Aquino a Kant. Rio de Janeiro. Editora Vozes. 2009

SANTOS, Mário Ferreira. Análise Dialética do Marxismo. São Paulo: Ed. É Realizações, 2018(a).

SANTOS, Mário Ferreira. Filosofia e Cosmovisão. São Paulo: Ed. É Realizações, 2018(b).