A CULTURA, OU A BELEZA DA AUTOFAGIA

O esporte, sendo uma prática cultural inerente a todo tempo e lugar, encontrou na tecnologia uma forma de tornar-se mais que rito ou guerra civilizada. Cada competição, se antes colocava oponentes diante de uma dificuldade real e presente – o embate com o adversário – com a fotografia e a imagem em movimento (cinema e televisão), permitiu que os feitos heroicos, a plasticidade de determinados gestos e as lágrimas da derrota, tudo ficasse eternizado pelo registro, as histórias e memórias agora ressignificadas e reeternizadas a cada nova exposição e contexto.

Neste aspecto, creio que a fotografia leva uma vantagem peculiar sobre a linguagem audiovisual. Pois sendo o registro de um único instante, requer mais imaginação de quem faz sua “leitura”, ao mesmo tempo que impele o indivíduo à tergiversação, a eternamente recriar o instante anterior e o posterior à imagem congelada. Olhá-la é sempre recontextualizar de forma diferente o ambiente, a atmosfera e o tempo em que foi clicada. A fotografia é a captação de um intangível e vertiginoso “frame” (a menor partícula do tempo visual). Uma foto, enquanto registro desta fugacidade, só é reproduzível enquanto produto de uma lógica técnica. E tal como Heráclito de Éfeso em sua dissertação sobre não nos banharmos duas vezes no mesmo rio, também não fazemos a mesma foto duas vezes. No máximo, a reproduzimos.

O encontro da fotografia com o esporte, enriqueceu a ambos. Se a ela foi designado um mar de novas significâncias e a beleza da urgência , a ele foi dado o direito de presentificar-se no futuro através da permanência visual, cultuado além da memória afetiva. A fotografia torna-se agente diante da objetificação natural que há no esporte, ao passo que este , enquanto protagonista, tem seu legado documentado para o futuro. Entre estes dois mundos, a beleza enquanto arte, a arte enquanto beleza, justapostas, assimétricas, amalgamadas.

A imagem da ginasta/poeta brasileira Rebeca Andrade, “voando” na Olimpíada de Tóquio em uma de suas apresentações, faz do olhar do fotógrafo/poeta Dylan Martinez, o encontro inefável que em nós vira vertigem, espanto, riso, lágrima. Em todas essas sensações, uma certeza: o prazer da extasia, que é o que realmente importa, seja na fruição do esporte ou da arte.