LENDA DA PEDRA DO SINO

Adrião Neto

Reza a lenda que na metade do século 18, os jesuítas mantinham um pequeno aldeamento na região de Brejinho, situado no final do maciço da Serra da Ibiapaba, na zona interiorana do atual município de Luís Correia, há aproximadamente sessenta quilômetros do litoral piauiense.

As missões também chamadas de reduções ou aldeamentos eram organizadas e administradas pelos jesuítas, que tinham por objetivo aumentar a presença da Igreja no Brasil através da conversão dos índios ao Cristianismo, mas além de cunho civilizador e evangelizador, funcionavam como uma espécie de colônia agrícola para transformar os índios em trabalhadores rurais e os afastar de suas terras para que fossem ocupadas pelos fazendeiros e sitiantes, que se estabeleciam na região.

O aldeamento de Brejinho congregava uma parte dos Tremembés da foz do rio Camurupim, cujo domínio estendia-se do litoral ao sertão; uma parte dos Tabajaras, não aldeados em outras missões e uma parte dos Tacarijus, que habitavam a região do atual município de São Miguel do Tapuia – índios ferozes, que há muitos anos antes trucidaram o padre Francisco Pinto, quando este e seu companheiro, o padre Luís Figueira, acompanhados de uma comitiva de Tabajaras cruzaram o seu território.

No afã de difundir a religião católica, os jesuítas procuravam desestruturar as bases da cultura dos nativos, tanto do ponto de vista material como espiritual, transmitindo-lhes ensinamentos de obediência a um Deus diferente dos seus, que não permitia a nudez, a poligamia, o incesto, a selvageria, a antropofagia e outras práticas adotadas pelos índios.

Para minar as bases culturais dos seus aldeados, uma das primeiras providências adotadas pelos administradores e guias espirituais do aldeamento foi a construção de uma igreja e convertê-los ao Cristianismo.

E assim, orientados pelos três sacerdotes, os índios puseram a mão na massa e em tempo recorde construíram uma igreja com paredes de taipa, piso de chão batido e cobertura de palha de carnaubeira.

O templo, que futuramente seria ampliado para albergar os Camelos da região mesopotâmica situada entre os rios Camurupim e Timonha; os Alongazes do vale do rio Piranji e as outras tribos da região que seriam aldeadas, continha uma torre com um campanário, onde penduraram um sino de bronze de tamanho médio, presenteado por um rico fazendeiro de Frecheira da Lama.

No dia da inauguração festiva, os índios mais jovens, com os corpos devidamente pintados com tinta de urucu e jenipapo, fizeram uma linda apresentação com músicas e danças típicas no pátio da igreja. Em seguida, durante a missa concelebrada pelos três sacerdotes, o padre Luís Palhares fez um breve sermão e após a distribuição da hóstia sagrada para os convidados especiais de Frecheira da Lama e adjacências, eles dedicaram-se à celebração de batismo de todos os pagãos e de casamento de todos os casais.

Embora já considerados “civilizados” e “cristianizados”, a despeito do ensino dos Mandamentos da Lei de Deus, das regras sociais e das constantes prelações sobre fé e outros dogmas da religião católica, os índios desse pequeno aldeamento, continuavam mantendo seus costumes, hábitos e tradições, incluindo a bigamia, o incesto e culto aos seus deuses, celebrado logo após as missas.

Sentindo-se incomodados e desrespeitados com as práticas religiosas dos nativos, os sacerdotes os repreendiam e os induziam a acreditar que estavam cometendo pecado mortal e que seriam condenados ao fogo do inferno. Mesmo assim, toda vez que havia uma missa, havia também um culto às divindades indígenas, precedido de uma intensa badalada de sino.

Certa manhã, indignados com a atitude dos nativos, que ao tempo em que assistiam e participavam atentamente das celebrações católicas, não esqueciam de professar a fé em seus deuses, os padres aproveitando-se da ausência da maioria dos aldeados, atearam fogo nos símbolos religiosos e nas indumentárias dos pajés e seus auxiliares.

Vendo as labaredas consumirem os objetos que eles tinham de mais sagrados, um grupo de jovens guerreiros, cercou os três padres ao redor da fogueira e os cobriram de pauladas. Ao ver o sangue escorrer de sua cabeça, quebrado por uma bordoada, o padre Luís Palhares sacou uma espada da cintura e os enfrentou bravamente golpeando os braços e as mãos de alguns deles. Foi assim, que consegui furar o cerco e montando num cavalo, saiu em disparada em direção de Frecheira da Lama. Enquanto isso, os seus companheiros foram trucidados num terrível ato de selvageria.

Endiabrados, os índios esfacelaram os crânios das suas vítimas e sentindo o cheiro forte de sangue, não resistiram a tentação de comer carne humana. Enquanto alguns comiam os miolos expostos, outros armados de facas os esquartejaram e arrancaram seus corações, que depois foram assados na fogueira e comidos ainda quase crus.

Para completar o massacre eles incendiaram a igreja e as instalações do aldeamento. Depois jogaram todos os pedaços dos religiosos em cima de um braseiro, para logo em seguida se banquetearem com aquele macabro churrasco.

No exato momento em que os índios comiam a carne assada e chupavam o tutano das suas vítimas, o céu ficou totalmente nublado e enquanto trovejava fortemente uma ventania revirava as copas das árvores, agitava as labaredas espalhando faíscas pelo ar, para logo em seguida se transformar num enorme redemoinho de fogo que descontrolado subiu morro acima.

Depois que tudo havia se transformado em cinza, os nativos verificaram que o sino havia sumido misteriosamente.

Sem procurar entender esse mistério, as tribos aldeadas debandaram, indo cada uma para sua região de origem.

No alvorecer do dia seguinte, após uma noite de aflição e muita reza, contando com o apoio do seu amigo fazendeiro de Frecheira da Lama, o padre Palhares escoltado por um contingente de vaqueiros e jagunços armados até os dentes, voltou para o aldeamento. Ao se aproximar constatou a triste realidade, tudo que havia sonhado e construído, com muito esforço e dedicação, havia se transformado em cinzas.

Tendo a plena certeza de que seus companheiros de missão estavam mortos, quis fazer um enterro digno, porém encontrou apenas um amontoado de ossos.

Enquanto enterrava a ossada, rezava e chorava, tentou recuperar o sino, mas não o encontrou. Logo em seguida sentindo a culpa por ter abandonado seus companheiros, prostou-se de joelhos no chão e no momento em que, de mãos postas, clamava a Deus pela salvação das almas deles, ouviu um forte badalar de sino vindo do alto de um enorme morro.

Na tentativa de resgatar aquilo que seria a única lembrança material da sua malfadada missão jesuítica no aldeamento de Brejinho, o padre Luís Palhares, juntamente com a sua comitiva escalaram o monte a procura do sino. Apesar da intensa busca não o encontraram. Coincidentemente, um dos vaqueiros, tentando afugentar uma cobra, que os ameaçava, jogou uma pedra sobre um bloco de pedra, onde aquele animal peçonhento se encontrava e para surpresa de todos, a pedra ao ser atingida pela outra, emitiu vibrações sonoras reproduzindo o som do sino da igrejinha do aldeamento.

Enquanto todos demonstravam surpresa, o Padre Luís Palhares, querendo amenizar a sua culpa exclamou: “Graças a Deus, as almas dos meus companheiros já chegaram ao céu e acabaram de obrar um grande milagre fazendo com que o sino da igrejinha do nosso aldeamento se encantasse nessa pedra”.

E foi assim, que aquela pedra misteriosa se transformou numa lenda, passando desde então a ser conhecida como Pedra do Sino.

Adrião Neto – Dicionarista Biográfico, historiador, poeta e romancista com vários livros publicados. É o autor da ideia da inclusão da data histórica da Batalha do Jenipapo na Bandeira do Piauí e da proposta exitosa para homenagear, com estátuas, os vaqueiros e roceiros no Monumento Nacional do Jenipapo em Campo Maior, PI.

ADRIÃO NETO
Enviado por ADRIÃO NETO em 09/10/2021
Reeditado em 30/08/2022
Código do texto: T7359835
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