LENDA DO CAJUEIRO-REI

Adrião Neto

Conta a lenda, que há muitos e muitos anos, quando o litoral piauiense era povoado apenas por várias tribos da grande nação Tremembé, a região praiana do atual município de Cajueiro da Praia, como não poderia deixar de ser, também era ocupada por algumas pequenas aldeias, dessa mesma etnia. Seus habitantes eram muito unidos e conviviam em perfeita harmonia.

Raramente havia um pequeno desentendimento entre os moradores do local, que sempre viviam em paz e de comum acordo compartilhavam o Bosque Sagrado e o cajueiral, onde durante a safra, todos usufruíam da colheita de cajus e castanhas. Até as tribos da região de Barra Grande e de outros pontos mais distantes comungavam daquela união fraterna.

A região era abundante em frutas tropicais, em variados tipos de caça, peixe, camarão, caranguejo, siri, sururu, ostra e outros crustáceos.

Não havia insegurança alimentar e nem a escassez dos dias de hoje. Eles viviam em plena fartura dando-se ao luxo até de escolher o cardápio do dia. Tudo que quisessem comer, estava praticamente garantido, bastava ter disposição para caçar ou pescar.

Como todos eram amigos e havia um pacto de eterna aliança, conviviam unidos e nunca se preocuparam de fazer a divisão do território, pois tudo era de todos.

Além das caçadas, das pescarias, da colheita de caju, de goiaba e de outras frutas regionais, feitos conjuntamente, eles se visitavam e sempre eram bem-vindos nas festas de qualquer uma das aldeias.

Mas como nem tudo dura para sempre, houve um grave desentendimento, que culminou com um violento duelo entre o guerreiro Muçambê, da aldeia do Lago de Santana com o guerreiro Mulungu, da aldeia de Barrinha, pela disputa do amor de Jacira, a mais formosa cunhã-poranga do litoral piauiense, filha do cacique Itaim da aldeia de mesmo nome, que em tupi-guarani significa pedra pequena.

Após a luta, que terminou com uma pequena vantagem para o Muçambê e a decisão de Jacira de acatar as regras do jogo e ficar com o vencedor, o casal passou a ser perseguido pelo perdedor, que corroendo-se de ciúmes jurou vingança.

Certa vez após um passeio romântico pela praia e de se deliciar com as goiabas e as guabirabas do Bosque Sagrado, o casal sem perceber que estava sendo seguido, dirigiu-se para o cajueiral ali próximo.

No momento em que Muçambê colheu um caju de um galho à altura da mão e segurando-o pela castanha colocou na boca da amada, foi atingido por uma flecha envenenada. Retorcendo-se de dor caiu no chão. Enquanto Jacira gritava por socorro e tentava acudi-lo, recebeu uma flechada mortal agonizando junto com o namorado.

Outros índios que vinham chegando e de longe assistiram o final da triste cena perseguiram o criminoso, que desesperado se atirou no mar, onde foi estraçalhado por um tubarão.

A infausta notícia espalhou-se rapidamente. Pouco tempo depois, os caciques e a maioria dos moradores das duas tabas enlutadas e das tabas vizinhas chegaram ao local da tragédia, onde após as cerimônias fúnebres de praxe, o casal foi enterrado na mesma sepultura, sob a luz do luar daquela noite fria de lua cheia.

Conta a lenda que no alvorecer do dia seguinte, após uma noite de chuva torrencial acompanhada por uma grande ventania e por uma forte trovejada, precedida de intensos relâmpagos, que riscavam o céu de ponta a ponta, a castanha do caju que Muçambê serviu na boca de Jacira começou a brotar de dentro da cova e a se transformar num imenso cajueiro, que para o orgulho dos cajueirenses, além de ter sido batizado com o nome de Cajueiro-Rei, de ter se transformado numa das maiores referências turísticas da cidade e de ostentar o título de Maior Cajueiro do Mundo, tem a magia de fazer com que todo o casal que o visite, fique cada vez mais unido.

Adrião Neto – Dicionarista biográfico, historiador, poeta e romancista com vários livros publicados. É o autor da ideia da inclusão da data histórica da Batalha do Jenipapo na Bandeira do Piauí e da proposta exitosa para homenagear, com estátuas, os vaqueiros e roceiros no Monumento Nacional do Jenipapo em Campo Maior, PI.