Ambrósio Um Rei Africano na América Portuguesa

Ambrósio

Um Rei Africano na América Portuguesa

*Marco Antônio Pinto

Para descrever a trajetória dos grandes homens em um opúsculo como este é uma tarefa impossível. Assim faz-se necessário esclarecer alguns pontos da trajetória deste personagem real que fora desconstruído nos círculos de uma historiografia alva e preconceituosa estabelecida em Minas Gerais no final do século XIX e início do século XX.

Essa historiografia oficial ao invés de reconhecer a história daqueles que tiveram um papel importantíssimo na construção socioeconômica mineira, ou seja, os negros, negros forros, pardos livres, gentalhas, cabras, pés rapados, reinóis, mazombos entre outros, optou-se pelo fascinante mundo da ficção, deixando de lado a ciência histórica, que investiga, pesquisa, analisa e estuda o desenvolvimento do homem numa perspectiva espaciotemporal, tendo por base fontes primárias e secundárias.

Essa deturpação historiográfica sobre o Rei Ambrósio teve um começo: Na Revista do Arquivo Público Mineiro, edição de janeiro/junho de 1904, volumes I e II, págs. 827-866. Sob a direção de Augusto de Lima Júnior que, rompendo com a fidedignidade à História, publicou o artigo “Quilombolas – Uma Lenda Mineira Inédita”, assinada por Carmo Gama. O nome por se mesmo já é uma autodenúncia, ora se uma lenda deve nascer do povo, da tradição, como poderia, uma lenda ser inédita?

Trata-se de José Joaquim do Carmo Gama um contista, prosador, poeta e dramaturgo que escrevia em várias revistas e jornais de Minas no final do século XIX. A história retromencionada não se trata de uma lenda, mas de um conto ou folhetim.

Carmo Gama era admirador incondicional do monarquista, escravocrata e reinol mineiro José Pedro Xavier da Veiga, que fora o primeiro diretor do Arquivo Público Mineiro - APM em 1895 pelo Decreto 860 do então presidente do Estado de Minas Bias Fortes. Carmo Gama, sem ter dedicado à pesquisa das fontes primárias da História mineira, após a nomeação de Xavier da Veiga, foi nomeado sócio correspondente do APM.

Os males que este conto causou na historiografia sobre o Rei Ambrósio são de difícil reconstrução. A maior consequência deste folhetim de Carmo Gama foi apagar a real História do Rei Ambrósio, substituindo-a por um tal Chico Rei, que na verdade nunca existiu. Até o momento, o APM este órgão importantíssimo que atua como guardião de documentos dos séculos XVIII, XIX e XX não procurou reparar esse dano.

Os ilustres historiadores mineiros desde o século XVIII até os dias atuais, dentre eles, Raimundo José da Cunha Matos, Caetano da Costa Matoso, Waldemar de Almeida Barbosa, Aires da Mata Machado Filho, Leopoldo Correa, José Tarcísio Martins, profícuos pesquisadores e estudiosos de Minas Gerais, com base em farta documentação nos traz uma verdade histórica sobre o Campo Grande ou Quilombo do Ambrósio.

O Campo Grande, a área do Sertão mineiro denominada de região Oeste de Minas Gerais, abrangia no século XVIII a Comarca do Rio das Mortes, Paracatu e Sabará, atual Centro-oeste, Alto São Francisco, Alto Paranaíba, Triângulo e Sudoeste mineiros, palco do maior quilombo que se teve notícias no continente americano.

Na verdade, tratava-se de uma confederação de 27 quilombos, habitados, principalmente no início, por negros fugidos e depois negros forros, brancos pobres, denominados de gentalhas ou pés rapados, mazombos entre outros, que fugiram do sistema tributário da Capitação, implantado pelo maior genocida da América do Sul, o Governador Gomes Freire de Andrade o 1º Conde de Bobadela e seus asseclas Martinho de Mendonça Pina Proença e o paulista Alexandre de Gusmão.

Em 1734, o sistema tributário da capitação de Freire foi implantado somente para a mineração dos diamantes, mas em 1735, acabou sendo aplicado para todas as atividades produtivas de Minas, viabilizando por incidir também sobre os negros e pardos forros mineradores. Tal fato provocou uma grande diáspora para o sertão adentro em busca de novas minas, formando assim a maioria desses quilombos. Os quilombolas nunca deixaram de vender clandestinamente o ouro e pedras preciosas aos contrabandistas em troca de produtos do reino, como tecidos, uniformes militares, armas, especiarias e alimentos entre outros produtos.

Gomes Freire e seus asseclas foram denunciados pelo desembargador Caetano da Costa Matoso, ouvidor geral de Vila Rica, (que nos deixou um relato importantíssimo dos primeiros descobrimentos das minas na América e vários papéis), fazendo acusações formais às altas autoridades do Conselho Ultramarino, mas ficaram impunes de seus crimes.

Waldemar de Almeida Barbosa, em sua obra Negros e Quilombos em Minas Gerais relata que “O Quilombo do Ambrósio” foi um modelo de organização, de disciplina e de trabalho comunitário. Os negros eram divididos em especialidade. Havia os excursionistas ou exploradores que saiam em busca das minas; haviam os campeiros ou criadores, que cuidavam do gado; havia caçadores ou magarefes; os agricultores, que cuidavam das plantações; os que tratavam dos engenhos, fabricação de açúcar, aguardente, azeite, farinha etc. Todos trabalhavam nas suas funções. Tudo era de todos, não havia meu nem teu. As colheitas eram conduzidas aos paióis da comunidade. A obediência era cega ao Rei Ambrósio, descrito pela sua inteligência organizadora, sua bravura, homem dotado de todas as qualidades de um bom general. Sobre os confederados estabelecia-se uma hierarquia administrativa, uma espécie de Estado Maior, constituído de elementos da confiança do Rei Ambrósio.

O Rei Ambrósio, negro forro, convertido ao cristianismo, minerador e dono de uma imensa fortuna, armou os confederados e deu proteção também as aldeias indígenas que estavam sob a tutela dos Jesuítas, principalmente a mais importante delas o Aldeamento de Santana do Bamboy (Bambuí), mais a oeste. Ambrósio implantou sempre no mês de agosto em todos os quilombos de seu domínio as festividades da Congada em honra de Nossa Senhora do Rosário.

Em 1746 deflagrou-se a Primeira Grande Guerra do Campo Grande, onde a sede do rei africano localizava entre os atuais municípios Cristais e Formiga. Com os ataques do exército de Gomes Freire, compostos por brancos, negros, pardos forros ricos, mazombos e reinóis, assassinaram crianças e mulheres e ainda capturaram negros e pardos convertendo-os em escravos. Ambrósio conseguiu com seus companheiros e o resto da população refugiarem para o oeste, com outros chefes dos quilombos das regiões de Arcos, Perdizes (atual Iguatama), Pimenta, Piumhi, São Roque de Minas e Serra da Canastra e se instalou mais a oeste onde hoje se localizam os atuais municípios de Bambuí Campos altos, Ibiá e Patrocínio.

Com a ascensão no poder em Portugal do primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho, o Marques de Pombal, tornou-se extinto o imposto da capitação em dezembro de 1750 e o foi reestabelecido as casas de fundição, mas batalhas e o genocídio de Gomes Freire e de seu irmão o fantoche 2º Conde de Bobadela José Antônio Gomes Freire continuou pelo sudoeste e noroeste de Minas, dizimando quilombos fazendo-se prisioneiros e escravos, e os que não eram capturados recolhiam-se na sede do Rei Ambrósio.

Em 1758 a 1760 deflagrou-se a segunda Grande Guerra do Campo Grande, onde a fortificação do Quilombo do Rei Ambrósio, depois de tantas tentativas, foi rompida e o Rei Ambrósio e sua rainha Cândida foram degolados.

A História do Rei Ambrósio chefe do maior quilombo das Américas, foi até mesmo ignorada pelo grande historiador mineiro, o monarquista Diogo de Vasconcelos que embarcou na canoa de Carmo Gama. Com essa ficção Vasconcelos misturou reisado (festa dos Reis Magos, em 6 de janeiro), com reinado, importantíssima festa de Nossa Senhora do Rosário, comemorada em Minas desde os anos setecentos no mês de agosto. O equívoco de Diogo de Vasconcelos é crasso, uma vez que as festas de Santos Reis, celebradas em 6 de janeiro, só se firmaram a partir do final do século XIX, inexistindo notícias das mesmas nos anos setecentos.

* Marco Antônio Pinto

Membro da Academia Divinopolitana de Letras, ocupa a cadeira nº 12, patrono Castro Alves, fundadora Rosa Freitas Sousa.

Marco Antônio Pinto
Enviado por Marco Antônio Pinto em 02/04/2022
Reeditado em 22/04/2022
Código do texto: T7486676
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