VINTÉM DE SAUDADE

VINTÉM DE SAUDADE

O que sou hoje vem de longe, vem de muito longe... Vem da profunda religiosidade, do terço de oração, da vela acesa perto do oratório, da devoção ao Padim Pade Ciço do Juazeiro e a todos os santos. Minhas avós Mãeta (mãe de minha mãe Dona Peta) e Emeliana (mãe de meu pai Alcino), eram sertanejas revestidas na devoção e na fé. Mãeta quase não saía da igreja. Emeliana quase não saía de Juazeiro do Padim Ciço. Meus avôs materno e paterno, Teotônio (China do Poço) e Ermerindo, viviam divididos entre a terra e o comércio, pois comerciantes, bodegueiros. Meu avô China do Poço recebeu Lampião em sua casa no ano de 29, quando ofereceu mesa farta e entrelaçou amizade. Ao lado da casa mantinha uma bodeguinha, mas muito mais para ter ali os amigos proseando do que mesmo sustentar a família com o lucro do aperitivo, do quilo disso e daquilo, do fumo de rolo, do bolachão vindo de muito longe. Possuía terra e gado. Já meu avô Ermerindo era sertanejo de múltiplos ofícios no dia a dia. Foi comerciante de bodega e mercearia, dono de bar com geladeira a gás de bujão, também dono de sinuca e de mesa de carteado. Igualmente proprietário de hotel e das fazendas Gado Manso e Santa Rita. Caçador inveterado, dono de perdigueiros afamados, de vez em quando recebia visitantes endinheirados em seus carrões e somente para irem atrás da nambu, da codorna, dos bichos de caça. Comprava todo o algodão, milho, feijão, couro e carvão que aparecesse, estocava em armazém e depois revendia tudo para grandes empresários. A casa mais bonita de Poço Redondo era dos meus avôs maternos, verdadeiro casarão, em cuja calçada minha avó Mãeta tomava assento ao entardecer para abençoar todos os que passassem. Mas há um contraste em meu avô Ermerindo que preciso esclarecer. Sempre de chapéu e bigode vasto, um tanto rude para quem não o conhecesse, mas foi a primeira pessoa de Poço Redondo que passou a valorizar a cultura nordestina. Era adorador de repentes e repentistas e sempre retornava de Juazeiro trazendo dezenas de discos. Sua mercearia se tornava um verdadeiro palco para os andantes violeiros que passavam na região. Várias pelejas entre repentistas foram travadas em sua venda. O salão de meu avô abarrotava de sertanejos torcendo por um ou outro repentista. De tudo isso eu sinto saudade, de Pai China, de Mãeta, de avó Meliana, de avô Ermerindo. As recordações são muitas, são grandes, são de baú e botija, são de um poço inteiro de nostalgia, mas expresso agora somente esse tiquinho, esse vintém de saudade.

Rangel Alves da Costa

Rangel Alves de Sousa
Enviado por ALMA GRANDE em 20/06/2022
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