Takaba Akihito versus Onizuka Eikichi: um perfil verossímil

Quem ler o mangá yaoi Viewfinder com certeza não ignora que é dito do jovem protagonista Takaba Akihito que, em sua adolescência, ele era um delinquente bastante problemático, tendo sido detido várias vezes e tomado jeito na vida por causa dos conselhos do pai, que o fez tomar interesse pela fotografia. Desta forma, ele deixou a delinquência e acabou se tornando um fotojornalista. Outro mangá que tem como protagonista um ex-delinquente é GTO (Great Teacher Onizuka), em que Onizuka Eikichi, um jovem ex-membro de gangue, decide se tornar professor por um motivo bastante inusitado: aproximar-se das alunas para conseguir uma namorada. Entretanto, se compararmos os dois perfis, veremos que o perfil de Akihito não condiz com o de um alguém que costumava ser delinquente, ao passo que Onizuka, ainda que tenha deixado a delinquência, conserva muito das atitudes e postura dos seus tempos em que se metia em brigas violentas e seu nome significava terror para membros de outras gangues. Quem assistir ao anime Shonan Junai Gumi, que conta as peripécias de Onizuka e seu melhor amigo Danma nos tempos de adolescente, verá que Onizuka era um lutador forte e que se meter com ele era uma péssima ideia.

Antes de analisarmos com mais profundidade os perfis de Akihito e Onizuka, é preciso lembrar que o Japão é um país conservador e com uma estrutura social muito rígida e que qualquer jovem que tenha um comportamento mais irreverente já pode ser considerado delinquente. Se um adolescente fizer coisas como descolorir o cabelo ou usar um determinado penteado ele será chamado subversivo. Porém, em Viewfinder, alguns diálogos e uma ilustração dão a entender que Akihito era do tipo delinquente barra pesada , destes que vivem se metendo em brigas e dão trabalho às autoridades, à polícia e à família. Em suma, ele não era flor que se cheirasse. E o Akihito do presente não tem um perfil de pessoa que vivia fazendo isso. Ele é totalmente ingênuo – aliás, abobalhado mesmo- cai fácil em armadilhas, não sabe se defender e sempre precisa ser salvo das encrencas em que se mete, enquanto que Onizuka, embora não seja o rei da esperteza, sabe se defender muito bem, é malandro e durão. Por sinal, é comum que Onizuka salve seus alunos das confusões em que eles acabam se envolvendo. Ele vence fácil quatro pessoas numa briga e seu nome ainda inspira respeito entre os delinquentes. E é bom acrescentar que Akihito deixou de ser delinquente por causa da influência do pai ao passo que Onizuka, junto com seu melhor amigo, largou a delinquência por iniciativa própria. Eles se mudaram de cidade mas o passado e a fama continuaram a persegui-los e não foram poucas as vezes em que eles se viram obrigados a usar suas habilidades de luta para vencer oponentes.

Também podemos comparar Akihito com Yusuke, da história shounen sobrenatural Yu yu hakusho. Yusuke era um completo subversivo, que desrespeitava as autoridades, cometia pequenos furtos, matava aula e se metia em brigas. Ninguém dava nada por ele e, devido a isso, o mundo espiritual ficou sem saber o que fazer quando ele morreu após salvar um menino de ser atropelado. Por causa dessa situação, o mundo espiritual deu uma nova chance a Yusuke e ele voltou à vida e acabou se tornando detetive espiritual. Depois, ele foi mudando e revelando que era muito melhor do que parecia. Assim, Yusuke foi se tornando uma pessoa melhor, mas não se tornou uma pessoa tola e ficou mais forte principalmente depois de se tornar discípulo da durona mestra Genkai, que estava velha e queria transmitir suas técnicas a alguém antes de morrer. O que podemos ver? Yusuke muda, é verdade, mas não a ponto de ficar ingênuo e indefeso.

Pensemos em Takaba Akihito então. A autora de Viewfinder cometeu grandes erros de verossimilhança na construção do perfil do personagem. Alguém que foi delinquente e arruaceiro a ponto de ter sido detido tantas vezes e ter até ficha na polícia não poderia nunca mudar a ponto de ficar uma pessoa boba. Quem foi delinquente precisou brigar, ser esperto para identificar situações de perigo e forte para vencer oponentes numa luta. Ele pode se tornar uma pessoa melhor, claro, mas nunca uma pessoa ingênua e que não sabe se defender. Alguém que brigou muito, meteu-se em todo tipo de confusão e foi problemático com certeza nunca se transformaria numa pessoa tola. Ou a autora não se preocupa com verossimilhança ou então, simplesmente, ignora que alguém que foi delinquente jamais se tornará uma pessoa inocente.

Imaginemos um personagem que tenha sido um yakuza violento que resolveu deixar a vida de crimes e se tornar uma pessoa pacata e honesta. A pessoa pode mudar de vida, claro, mas nunca perderá as habilidades que teve de desenvolver para sobreviver durante os tempos em que era um criminoso. Quem foi ladrão nunca perde a esperteza e quem foi assassino não vai esquecer como manusear uma arma. Pensemos também em fazer o perfil de uma pessoa que esteve na guerra. Não poderíamos nunca fazer uma pessoa dessas ser frouxa, medrosa e não saber lutar, não é verdade? Como vemos, fazer um personagem com um perfil verossímil dá um bocado de trabalho e requer que o autor esteja atento a vários detalhes. E o que faz com que inverossimilhanças como a da construção do perfil de Akihito não sejam questionadas pela maioria dos leitores de tal mangá? Talvez o fato de que muita gente não tenha o hábito de refletir sobre o que lê e/ou assiste.