MINHA MÃE NÃO É CIDADÃ?

MINHA MÃE NÃO É CIDADÃ?

Autor: Heribaldo de Assis *

Minha mãe estudou apenas até a 4ª série do Ensino Primário – minha mãe tem 89 anos e é de uma época na qual não havia Lei Maria da Penha e nem Estatuto do Idoso – ela é de uma época na qual o poder pertencia unicamente aos homens: a mulher, por vezes, sofria em decorrência do excessivo autoritarismo do pai, dos irmãos mais velhos e , posteriormente do marido – quando este falecia a mulher submetia-se à autoridade de um filho – mesmo que este fosse desnaturado. Mulheres da geração da minha mãe não aprenderam a protestar, não aprenderam a se rebelarem: simplesmente aprenderam a obedecer aos ditames do nefasto patriarcado, aprenderam a mentir para esconderam as marcas da agressão, aprenderam a dizer que tudo estava bem quando o lar era um verdadeiro inferno. Portanto, a Justiça não pode dispensar a tais mulheres o mesmo tratamento das mulheres consideradas modernas que são instruídas e sabem seus Direitos – mulheres da geração da minha mãe merecem tratamento especial por parte da Justiça, merecem atenção imediata e não serem submetidas a morosidade da burocracia pois as mulheres que maquiam os hematomas sofridas, porque as mulheres que se calam diante da violência doméstica são as mais vulneráveis e as que são alvos preferidos dos homens que cometem violência doméstica contra as mesmas. Há 2 anos estou tentando obter uma Medida Protetiva em favor da minha mãe – que sofre (há mais de 30 anos) por causa de um filho desnaturado, desobediente, agressivo, bruto, que teve problemas com alcoolismo e que até colocou a vida dela em risco várias vezes (por pouco ela não morreu ou teve um AVC).Mas parece-me que mulheres sem advogado são invisíveis para a Justiça, parece-me que para a Justiça o importante é cumprir os trâmites burocráticos e não salvar vidas indefesas e não evitar tragédias anunciadas como o matricídio que pode ocorrer se um filho desnaturado continuar no lar de uma pobre mãe – uma mãe que, por piedade, não quer ver um filho desnaturado na cadeia. Cabe a Justiça gritar por tais mulheres, cabe a Justiça afastar dos lares esses homens que aproveitam-se da fragilidade feminina e do vínculo sentimental que possuem com elas. Tais homens são covardes – aproveitam-se do silêncio dessas vítimas, aproveitam-se do sentimento dessas vítimas para continuarem impunes, para continuarem causando o terror nos lares dessas pobres mulheres indefesas sem instrução, sem advogado, sem recursos. Uma recente pesquisa revelou que 97% das mulheres assassinadas em São Paulo não tinha Medida Protetiva – ou seja o que resolve é a Medida Protetiva e não a Justiça Restaurativa. E quantas mulheres vítimas da violência doméstica não tentaram restaurar seus casamentos, suas relações e foram assassinadas pelos homens que elas haviam perdoado! A necessária e urgente Medida Protetiva é um direito da mulher e não um objeto jurídico pertencente a burocracia judiciária – uma mãe até pode colocar um filho infrator, agressor acima da Lei, acima do Bem e do mal mas a Justiça não pode fazê-lo pois isso significa rasgar a Lei Maria da Penha, o Estatuto do Idoso. Em psicologia existe a denominada Síndrome de Estocolmo – síndrome na qual a vítima afeiçoa-se pelo seu raptor: deveria então a Justiça não punir o raptor pelo simples fato da vítima ter se afeiçoado ao mesmo?! É evidente que não – assim como pelo simples fato de uma mãe nutrir afeto por um filho agressor ou uma esposa nutrir afeto por um marido violento não significa que a Justiça não deva puni-los e nem afastá-los do lar!A dor de uma necessária separação cicatriza-se o que não cicatriza-se é essa dor que muitos filhos tiveram ao verem suas mães sendo assassinadas pelos próprios maridos. O Brasil foi condenado internacionalmente por um Tribunal Internacional devido aos alarmantes casos de violência doméstica e de feminicídio – e agora entendo o porquê: o caso da minha mãe, que é vítima de um filho desnaturado e que ainda não foi solucionado com a retirada do infator/agressor ilustra a dificuldade que muitas mulheres brasileiras sem instrução, sem recursos e sem advogados sofrem para obterem uma Medida Protetiva – a violência é rápida mas a Justiça é lenta! E o que é mais importante: cumprir as burocracias dos trâmites burocráticos ou salvaguarda vidas? O que deveria morrer neste país era a burocracia e não a vida de mulheres indefesas sem paz, sem recursos, sem advogados – mulheres para as quais existe toda uma invisibilidade jurídica, mulheres para as quais morrer é a única maneira de escapar do inferno – o inferno do machismo, o inferno do patriarcado, o inferno da violência doméstica!

* escritor, filósofo, poeta, compositor, redator-publicitário, roteirista, Licenciado em Letras e autor do livro Redações Artísticas – a arte de escrever.E-mail: herisbahia@hotmail.com