O MEIO AMBIENTE DO HOMEM

O MEIO AMBIENTE DO HOMEM

Luiz Eduardo Corrêa Lima

A espécie humana é uma das mais recentes na superfície do planeta e sendo assim, quando ela surgiu aqui na Terra a grande maioria das espécies, senão todas, já existiam e já ocupavam os seus respectivos lugares (habitats) e nichos ecológicos dentro dos diferentes ecossistemas no planeta. Do ponto de vista estritamente ecológico, parece ser razoável supor que com a espécie humana essa situação não tenha sido diferente. Isto é, quando nossa espécie surgiu, ela também deveria ter o seu nicho ecológico específico para ocupar num determinado ecossistema.

Entretanto, qual é, ou melhor, qual terá sido esse primitivo nicho ecológico humano? Será que temos condições de responder essa pergunta e todas as que dela decorrem? Se tivermos, porque parece que nos afastamos tanto desse nicho específico e primitivo? Por que simplesmente passamos a interferir em tudo ou quase tudo no planeta? Somos efetivamente uma espécie degradadora e surgimos apenas para isso, ou seja, o nosso nicho é realmente destruir os demais? Enfim, qual a função do Homo sapiens na natureza?

Essa última questão é sem dúvida uma pergunta muito difícil, talvez até impossível de ser respondida, haja vista que temos muitas dificuldades, sobre esse entendimento mesmo no que se refere as demais espécies vivas. Para muitos a função natural de determinadas espécies não está muito bem esclarecida. Por exemplo, eu já ouvi inúmeras vezes a seguinte pergunta: “Professor, para que serve a barata?”. Essa é uma questão muito complicada de ser respondida, porque na simples opinião de grande parte dos humanos, a barata não serve para nada e por isso mesmo, não deveria existir.

Baseado nessa premissa errônea, inicialmente eu chamo a atenção para o fato de que a natureza não investiria em produzir algo que não servisse para nada e se os processos evolutivos naturais propiciaram o aparecimento de organismos como as “baratas” é porque de alguma maneira existe alguma importância na existência desses organismos. Tudo o que existe tem função na natureza e com as “baratas” certamente esse fato não é diferente.

Depois dessa premissa chamativa, eu continuo dizendo que, embora sociologicamente as “baratas” pareçam não servir para nada, naturalisticamente as espécies de animais daquele grupo que chamamos genericamente de “baratas” compõem um grupo muito importante de animais que se utilizam de detritos como fonte de alimentos e por isso mesmo ocupam ecossistemas onde os resíduos orgânicos aparecem em grande quantidade. Acredito que os meus alunos, embora se calem e até se deem por satisfeitos, ainda não conseguem entender isso muito bem. Eu mesmo tenho minhas dúvidas se apenas isso é satisfatório, principalmente se for considerado que a noção sociológica que geralmente se tem sobre as “baratas” é a daqueles “bichinhos nojentos” que, de vez em quanto, aparecem na casa do homem.

Por outro lado, aproveito para chamar a atenção de que as “baratas”, por conta de suas vidas em ambientes “sujos”, também são animais de grande importância, porque são capazes de transportar e transmitir microorganismos produtores de moléstias em vários outros organismos vivos, inclusive animais domésticos e seres humanos. Nesse último sentido, também acabo chamando a atenção para a importância antrópica e social das “baratas”, haja vista sua relação com os humanos e com a sujeira (o lixo) que nós produzimos.

Enfim, eu não sei se resolvo todo problema, porém, embora impreciso, consigo me sair relativamente bem e dou alguma satisfação verdadeira sobre a pergunta do meu aluno, o qual acaba por aceitar minha resposta, ainda que possa ficar com alguma dúvida ou com certo grau de desconfiança.

Mas, agora imaginem que a pergunta feita pelo meu aluno tenha sido a seguinte: “Professor, para serve a espécie humana?” Efetivamente, do ponto de vista ecológico, eu confesso e acredito que não saberia responder especificamente para que serve nossa espécie e para responder essa pergunta, talvez eu produzisse uma resposta evasiva qualquer, ou então me ativesse mais aos valores sociológicos e até mesmo religiosos para tentar me livrar um pouco da “saia justa”.

Ou ainda, o que é muito mais provável, eu desconversaria e sairia pelo lado filosófico ou mesmo satírico. Diria que esta é realmente a grande questão humana, saber para que nós servimos aqui no planeta, haja vista que, da mesma forma que a “barata”, parece que não servimos para nada, além de atrapalhar as demais entidades vivas do planeta.

Mas é exatamente aí que vem a questão maior: por que eu faria isso para responder a pergunta? Ou seja, por que eu não sou capaz de responder essa questão, aparentemente simples, além de muito clara e objetiva? Em, outras palavras, o que nós temos de tão diferente das demais espécies, que não possuímos condições, ou talvez não queiramos ter condições, de nos definir do ponto de vista natural?

Posso estar errado, mas creio que isso se deve, num primeiro momento, simplesmente ao fato da espécie humana interferir em tudo o que acontece no planeta e assim, não é possível saber, ao menos a priori, qual seria sua função precípua na natureza. Até porque, talvez a resposta esteja mesmo fora do limite físico e assim talvez não seja mesmo possível, para nós humanos, respondermos satisfatoriamente a questão, por mais que pudéssemos tentar.

Eu tenho andado bastante preocupado com esse fato e tenho pensado muito sobre essa questão e acredito que deve ser possível dar uma resposta satisfatória, assim como no caso da “barata”, desde que nos preocupemos em tomar algumas providências básicas. Sendo assim, gostaria de tentar responder essa pergunta e embora eu ainda não tenha uma resposta precisa, tenho algumas convicções (Quem sabe sejam apenas palpites?) sobre o assunto, as quais eu entendo que possam nos levar a verdadeira origem de nossa incapacidade de responder a questão e gostaria de dividir essas convicções aqui com o leitor. Vejo que precisamos investir, assumir e compartilhar 5 (cinco) princípios (regras) fundamentais para começarmos a caminhar na direção certa da resposta que buscamos.

Primeiramente eu acredito que o que vale para as demais espécies valha também para nós humanos, até porque temos o mesmo princípio biológico de qualquer organismo vivo. Sendo assim, temos que ter uma explicação lógica e biológica para a nossa existência como as demais criaturas vivas e temos que assumir essa explicação como base de nossa existência e fundamento de nossa continuidade orgânica. Do contrário, estamos fadados a extinção precoce. A regra é a seguinte: “como somos semelhantes a qualquer organismo vivo, temos que aprender com a natureza”.

Segundo, nós humanos historicamente temos sido orientados (obviamente por outros humanos) de maneira errada e assim nos perdemos no nosso caminho evolutivo primário e não conseguimos voltar aos trilhos. Desta forma é fundamental que identifiquemos quais são esses humanos que nos levaram aos caminhos errados e descubramos onde o erro começou para podermos retroagir e tentarmos seguir a nossa caminhada evolutiva dentro dos critérios naturais. Qualquer fator contrário a isso deverá ser considerado um impedimento aos interesses a espécie e como tal deverá ser desconsiderado. A regra é a seguinte: “até aqui fizemos muita coisa errada, mas agora somos obrigados a acertar”.

Terceiro, nosso padrão sociológico de pensar e de agir, deturpou a nossa imagem natural e nos fez reféns de princípios secundários e menos importantes para a nossa vida no planeta. A nossa meta precípua deve ser descobrir quais são esses princípios errôneos e descartá-los de nossa conduta como organismos vivos. Penso que alguns desses princípios errôneos já estão até bem conhecidos, porém não parecemos estar dispostos a abandoná-los e necessitamos trabalhar nesse sentido. É preciso ter sempre em mente que nada que implique na nossa piora como organismos vivos deve ser considerado importante para nós. A regra é a seguinte: “como organismos vivos que somos, temos que procurar primeiramente manter a nossa vida”.

Quarto, nossa conduta social deve ser consequência de nossas necessidades naturais e não o contrário, como infelizmente fomos levados a estabelecer e seguir ao longo do tempo. Temos que dar prioridade a vida de nossa espécie como organismos vivos que somos. Qualquer outro fator, em qualquer situação, deverá ser considerado secundário. Pelo bem de nossa espécie e do planeta, não podemos nos dar o direito de errar outra vez. A regra é a seguinte: “temos que considerar que somos organismos naturais, antes de sermos sociais”.

Quinto, o planeta Terra é a nossa única casa e por isso mesmo deve ser também realmente priorizado em todas as ações da humanidade. O homem, como espécie, tem que entender que é a espécie mais dependente do planeta e que precisa trabalhar diuturnamente para manter o estatus quo planetário, pois disso depende a própria existência de nossa espécie. A regra é a seguinte: “para entender o homem e sua origem, primeiro é necessário entender e manter (salvar) o planeta”.

Em suma, se considerarmos que embora existam vários organismos vivos, só existe uma Biologia; se seguirmos os princípios naturais independente de qualquer tendência antrópica que preconize o contrário; se dermos importância efetiva a nossa vida e das demais criaturas; se manifestarmos nossas condições sociais sempre presas a fatores e necessidades naturais primários e, por fim, se nos preocuparmos efetivamente com o planeta onde estamos, lembrando que ele é o único que temos para viver, tenho convicção que chegaríamos as nossas origens e responderíamos a essa “pergunta mágica” e a todas que dela decorrem.

Entretanto, lamentável e infelizmente, estamos caminhando na direção errada e a resposta assim tem ficado cada vez mais distante e mais difícil. Estamos gradualmente perdendo nossa identidade como espécie biológica viva, estamos nos afastando perigosamente de nossas origens naturais e assim estamos virando máquinas de reproduzir absurdamente, de ocupar incoerentemente os espaços do planeta, de destruir outras espécies biológicas e indivíduos de nossa espécie desnecessariamente, de degradar ambientes e de transformar as estruturas físicas que o planeta levou bilhões de anos para construir, de usar o patrimônio natural apenas para o nosso interesse particular, de vender e de comprar os recursos da natureza como se fossem produtos de liquidação, esquecendo que em última análise esses recursos são nossos semelhantes, porque fazem parte do mesmo todo em que nos encontramos, ou seja, o nosso planeta Terra.

Não quero ser fatalista, mas me parece impossível não ser. Precisamos mudar esse quadro, antes que a questão fique real e totalmente sem solução. Ainda há tempo, mas creio que está faltando muito pouco para o nosso colapso. O pior de tudo é que corremos o risco de nos extinguir sem sermos capazes de tentar responder aquela pergunta. Isto é, seremos a única espécie inteligente do planeta, aquela que foi capaz de entender um pouco sobre as demais. Entretanto, também seremos aquela espécie que se foi sem nunca ter sabido o que deveria ter sido. Mas, eu espero que ainda consigamos acordar do pesadelo que criamos e mudar o quadro, pois acredito que seja possível e continuo querendo saber: para que serve o homem?

Luiz Eduardo Corrêa Lima (53) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor e Ambientalista.