O RIACHO

(*)Edimar Luz

Primeiramente, é bom considerar que um riacho pode ser definido como um curso d’ água de tamanho pequeno, onde as águas, em geral calmas e piscosas, mostram-se naturalmente mais ou menos turvas ou foscas, ou, em alguns casos, cristalinas, transparentes.

Nas águas do nosso riacho de Ipueiras, que em outras épocas eram relativamente piscosas, encontravam-se várias espécies de peixes, entre as quais podiam-se destacar principalmente a curimatá, a traíra, a branquinha, o corró e as inúmeras piabas, dentre outras. Além desses peixes, existiam ali também muitos muçuns, uma espécie de peixe inaproveitável para o consumo, cujo corpo é serpentiforme (daí também o apelido de peixe-cobra)e desprovido de escamas, bem como de bexiga natatória, resistindo, na lama, de uma estação chuvosa para outra; e uma grande quantidade de cágados, os quais de vez em quando emergiam e saíam da água com sua carapaça molhada e, às vezes, um pouco enlameada, para permanecer por algumas horas imóveis e expostos ao sol, mergulhando em seguida, ou de repente, quando da aproximação de alguém.

Todos os meninos temiam a mordida desses quelônios, também por algumas pessoas, considerados pequenas tartarugas de água doce. Esses bichos, porém, são inofensivos.

Ali naquele riacho que tem nascente dupla, sendo uma nas imediações da Serra do Brejinho e outra na altura das Caraíbas, e que atravessava de forma sinuosa e cheia de curvas grande parte das terras do meu avô, na Ipueiras, a gente ia pescar com nossos anzóis e, às vezes, de tarrafas, nas horas vagas e de descanso daqueles dias do final dos anos 60 e início dos 70. Eram sempre animadas as pescarias do tempo da minha infância, fossem elas praticadas no riacho ou no rio. E antes, às vezes, a gente ia colher nos bambuais os flexíveis e resistentes caniços de pesca de anzol no rio Guaribas e no riacho.

Na época das cheias do nosso riacho, os meninos mais afoitos corriam ainda o risco de contrair sezão, que é, como se sabe, um acesso de febre intermitente ou periódica bastante comum durante as cheias e alagamentos ou inundações que ocorriam na região. Aliás, há de se destacar que as águas do riacho não eram realmente balneáveis durante as inundações.

Na verdade, o riacho só chegava a “correr”, de fato, com água em abundância, nos anos de invernos mais rigorosos, quando se podia ouvir até de longe o murmúrio característico de suas águas correntes que batiam nas cercas e nos bambuzais da passagem.

Vale lembrar aqui que a balsa, construída para a travessia do riacho, beneficiando o povo que morava do outro lado, ilhado numa porção do bairro situada entre este curso d`água e o rio Guaribas, na enchente de 1960, passou, naquela ocasião, horas em atividade nas proximidades dos bambuzais que existiam no local da passagem do riacho entre a Ipueiras e o Baixio de Ipueiras, como se costumava fazer a divisão na época. Conta-se que naquele momento, o nível das águas já se apresentava visivelmente elevado, com uma correnteza já bastante forte e intensa, manifestando-se uma gradual progressão em seu volume, para desespero dos moradores da região. Na também grande enchente de 1974 (mas menor que a de 1960), essa população “ilhada”, precavida, tratou logo de atravessar o riacho antecipadamente.

Entretanto, devemos considerar que na época das estiagens prolongadas, apenas as cacimbas existentes no seu leito continham água, a qual era utilizada para o abastecimento do consumo do nosso gado que durante o dia permanecia nas roças de pastagens próximas ao riacho. Naquela oportunidade, podiam se observar no seu leito seco e sinuoso, em razão da umidade subjacente, várias espécies de gramíneas e ervas, algumas delas até medicinais, as quais exalavam um aroma agradável e característico; e em meio aos lodos ressequidos, uma infinidade de búzios, conchas curiosa e levemente sonoras quando levadas ao ouvido, pertencentes a moluscos gastrópodes, como, por exemplo, o caracol ou caramujo, como também é chamado. Naqueles períodos de estiagem, ou seca, como se costumava chamar aquela estação não-chuvosa, fazia-se temporariamente o esgotamento das cacimbas do riacho, de onde era retirada toda a água suja e envelhecida e removida a lama apodrecida, para também desobstruir as “minas”ou “veias” d’água que afloravam, com o objetivo de se proporcionar uma renovação apropriada ao consumo do gado. E, assim, dentro de algumas horas a cacimba se encontrava novamente cheia de água limpa, favorecendo enormemente à pecuária, pois para esta a água tem importância vital. Contruíam-se também em suas margens alguns canteiros superpostos ou suspensos sobre estacas de madeira, onde eram cultivados alguns tipos de verduras, tais como cebola, coentro e alface. Eram os chamados “barcãos”.

Em certos períodos não muito chuvosos, os arrozais, que eram cultivados em larga escala nas nossas lagoas, podiam também ser vistos, embora em bem menor quantidade, é óbvio, no leito e margens do riacho, bem como uma certa variedade de capins, os quais eram empregados na alimentação do gado.

Convém esclarecer que nas áreas alagadas e de água doce, tais como lagoas, pântanos, açudes, rios e riachos, concentram-se muitas espécies de aves, sendo muitas delas, portanto, classificadas como aves aquáticas e/ou ribeirinhas. Essas áreas providas de água doce se constituem, na realidade, no ambiente propício à sobrevivência e à reprodução dessas espécies, podendo-se destacar como existentes em nosso riacho e áreas adjacentes as seguintes aves: garças, jaçanãs, carãos, frangos-d’água, socós, lavandeiras, galinhas-d’água, martim-pescador, joão-de-barro, saracuras-do-brejo, que são comumente denominadas saracuras três-potes, e outras. Algumas destas aves só aparecem por aqui exatamente no período de chuvas mais abundantes. Não se pode esquecer que há uma nítida diferença entre o socozinho e o socó-boi, também conhecido como socó-pintado, pois se sabe que este, de maior porte, possui um longo bico e emite um canto esquisito que, às vezes, chega mesmo a ser assustador; além de ser uma ave bem mais rara que a primeira. Já o carão, assim como o três-potes, em outros tempos, no inverno, cantava incessantemente a noite inteira, principalmente nas árvores situadas às margens do riacho.

Cabe ainda destacar que muitas destas aves constróem seus ninhos nas rivícolas, plantas que têm por habitat a margem de um rio ou riacho. Por falar em nidificação, é bom saber que o pássaro joão-de-barro constrói curiosamente seu ninho em forma de uma singela casinha de barro, em galhos de árvores, com a entrada ou porta em direção oposta à direção das chuvas e dos ventos. As casas do joão-de-barro são realmente muito interessantes, e, por isso, neste aspecto ele se distingue dos demais pássaros. São os encantos da impressionante e sábia natureza. Muitas foram as oportunidades em que podíamoss observar os filhotes implumes nos ninhos sem coberturas das outras inúmeras aves, tanto nas plantações como nas árvores e na relva verde dos nossos campos.

Nos capinzais, moitas e carnaubais que ocupam os flancos e margens do nosso riacho encontramos também, entre outros animais, a raposa, o guaxinim ou mão-pelada e o preá, além do teiú ou teju, que é o maior dos lagartos brasileiros, e o camaleão, um réptil da subordem dos sáurios que espetacularmente adquiriu em sua evolução a impressionante capacidade de mudar a cor da pele de acordo com o meio em que ele está.

Várias também são as espécies de árvores que margeiam o riacho ao longo do seu curso, podendo-se citar as seguintes: angicos, bambus, aroeiras, muquéns , oiticicas, marizeiras, juazeiros, cajazeiras, mangueiras, goiabeiras, cajueiros, carnaubeiras, coqueiros, pitombeiras e muitas outras; além das raríssimas canafístulas, que são árvores ornamentais providas de belas flores amarelas ordenadas em grandes cachos. Era muito bonita aquela paisagem simples do riacho de outrora.

Muitas vezes durante o tempo em que se encontravam estagnadas as águas ao longo do curso do riacho, estas parcialmente não se viam, uma vez que a vegetação aquática cobria praticamente todos os trechos do seu leito que continham água, sendo ali o ponto preferido para o pouso e a permanência de insetos e de algumas aves, especialmente as jaçanãs. O passaredo nas árvores que margeiam o riacho. Existiam ali também, capim-de-burro, água-pé e outras numerosas plantas, ervas e gramíneas aromáticas no leito do riacho.

Em última instância, vale ressaltar que o riacho atravessa a localidade e o Bairro, predominantemente no sentido norte-sul, desaguando no rio Guaribas após um percurso de aproximadamente 10 quilômetros.

Obs. Do meu livro Memórias do Tempo.

(*) Edimar Luz é escritor/cronista, articulista, memorialista, poeta, compositor, professor e sociólogo, formado em Recife – PE.

Picos - PI, maio de 2000.

Edimar Luz
Enviado por Edimar Luz em 30/04/2013
Código do texto: T4267140
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