A Crise Japonesa  
 
Uma das facetas mais amargas da atual crise mundial se refere aos que migraram se seus países de origem para economias em grande expansão. Isto ocorreu por interação de interesses: por parte dos migrantes se buscava uma melhor sorte, enquanto, por parte dos países em expansão, era suprida a mão-de-obra extra, necessária para cobrir a escassez nas suas economias, ante sua rápida evolução à frente da expansão vegetativa, em especial quanto ao seu aspecto quantitativo. Porém, também quanto à situação qualitativa, neste caso mais restrito, envolvendo a formação profissional e a educacional.
Ou seja, os países receptores conseguiam resolver, no curto prazo, situação que somente seria resolvida no longo, graças à absorção desses excedentes populacionais de outros países.
Esse processo está ligado ao movimento político-econômico da globalização, que evoluiu segundo os moldes do liberalismo, em especial a sua faceta de internacionalização, que incentivou a migração, associada aos anos noventa. Poucos países foram polos atrativos, dentre eles a Espanha e a Irlanda, mas sendo foco deste texto o caso do Japão.
Conforme o já exposto, no transcorrer dos anos noventa o Japão se beneficiou do ciclo expansivo do capitalismo internacional, o qual avançou, em 2006, quando passou a dar sinais de esgotamento até culminar com a crise norte-americana que se internacionalizou no último trimestre de 2008. Houve uma estratégia nipônica em atrair os descendentes dos que migraram do Japão para a América Latina em período anterior, sendo os principais alvos as colônias do Brasil e do Peru.
Os números denunciam a crise japonesa. A demanda por produtos japoneses simplesmente despencou e, tomando por base o seu setor industrial, constata-se um desemprego de 4,4%, o maior índice dos últimos três anos. Verificando pela frente externa, as exportações caíram em 45,6%, tomando março em comparativo com o ano anterior; e, por fim, a produção do setor atingiu seu nível mais baixo em 25 anos.
A justificativa deste alvo específico vem sempre da explicação da maior adaptabilidade cultural, o que é merecedor de reflexões, pois aqui no Brasil, quando se tomam medidas nesse sentido, sempre surge a história da segregação. Entretanto, quando se trata de povos de países ricos, a coisa se transforma em adaptabilidade. É aquela situação: pobre que gasta além do que deve é ‘sem vergonha, rico que tem o mesmo procedimento é excêntrico.
O fato é que com a expansão da crise, este procedimento de segregação, que serviu para beneficiar os migrantes, agora atua contra eles. Antes, eles eram os descendentes de japoneses, e assim os mais aptos a se agregar às necessidades de mão-de-obra daquele país. Agora, com a crise, são os japoneses impuros, espécie de vira-latas que ainda guardam algumas características de traços com a pátria mãe, de modo que são ‘estrangeiros. E se eram necessários quando faltava mão-de-obra, agora se transformam num estorvo quando faltam empregos. Imaginemos uma situação absurda, se quando faltasse emprego no Brasil começássemos a devolver os migrantes que aqui encontraram pouso, independentemente da cultura de onde vêm.
A falta de pureza do povo brasileiro, neste sentido, parece agregar valores mais profundos do que apenas o custo benefício dos tostões. A pobreza é mais democrática do que a riqueza. É claro que, no caso brasileiro, não se trata apenas de valores sublimados, faz parte também de nossa frouxa cultura, e de nosso Estado, mais ou menos em relação aos interesses dos cidadãos brasileiros, e nisto se inclui aquele pessoal entreguista que vive comprometendo a sociedade como um todo, desde que sua situação pessoal esteja garantida.
E o que dizer dos nipo-brasileiros, destes sem raça, tais como os ítalo-brasileiros, os germano-brasileiros, os eslavo-brasileiros, os luso-brasileiros, os espano-brasileiros, os afro-brasileiros, enfim todos miscigenados? Todos vira-latas frente às orgulhosas raças puras. Mas se atenha aos descendentes dos japoneses que retornaram à terra dos seus avós. Observe-se que o estigma de ‘vira-latisse’ não se trata de metáfora dramática deste autor. Nas terras do sol nascente, este grupo é denominado de dekasseguis e durante a onda expansiva era o maior grupo de trabalhadores estrangeiros.
Num país avesso à imigração, cabia-lhes o honroso destino de preencher os denominados empregos do tipo "triplo K" , em japonês "kitsui, kitanai, kiken", que significam, em linguagem ‘vira-lata’, duros, sujos e perigosos. Eis aí uma reserva de mercado a se questionar, porém não será necessário, já que nem mesmo isto parece o governo japonês estar disposto a bancar, devolvendo os migrantes para o país de origem como uma espécie de ‘rebotalho’ a ficarem dependurados no sistema social de onde vieram. Sem dúvida, algo bastante esperto. 
Para verem-se livres do contingente indesejável, os governantes da ‘Terra do Sol Nascente’, aproveitam-se do desespero desses desempregados e oferecem o seguinte ‘benefício social’ para os dekasseguis: os que aceitarem ir embora recebem o prêmio de US$ 3.000 em passagem aérea, mais US$ 2.000 por dependente. Se sobrar, podem ficar com o dinheiro. O detalhe é que, quem aceitar, não poderá mais solicitar o visto especial de trabalho para descendentes de japoneses, o que praticamente elimina as possibilidades de retornar. Para quem pensar que existe algum tipo de generosidade nisto, é só imaginar que todas essas pessoas acabarão tendo que se beneficiar dos programas de governo do país que os recebe de volta. Nesse sentido, puramente econômico, os governantes japoneses se mostram muito espertos.
Os lucros são deles, os prejuízos são nossos. Não se trata de um jogo de empurra, mas de assumir as responsabilidades sociais sobre aqueles que contribuíram para o progresso, pelo menos este é o discurso no Brasil quando se trata do assunto, mas isto deve fazer parte do ideário para terceiro-mundista digerir, no primeiro mundo o ser descartável para encontrar abrigo em ‘razões nobres’.
O lado mais dramático da questão está associado à própria percepção pelos componentes do grupo, de agora serem ‘personas non gratas’, conforme divulgado em matéria da Folha de São Paulo, em 04 de maio último. São declarações tais como: "Eles nos toleraram enquanto precisavam da mão-de-obra...", e então, de modo conclusivo: "...mas, agora que a economia está ruim, eles nos atiram um pouco de dinheiro e nos dizem tchau.". Eis toda a consideração humana pelos seus parentes mais ou menos próximos. Tudo isso após terem sido levados para lá, a partir da alegação de afinidade cultural para ocultar uma clara segregação. Não é apenas o ocidental que segrega o oriental, este também o faz, assim como o ocidental também o faz com o ocidental, ou seja, a segregação é algo, ao que parece, universal. Porém, conforme o interesse é chamada a favor de beneficio ou prejuízo de outrem.
É claro que para se fazer justiça é importante destacar que, embora minoritárias, existem vozes discordantes dentro das hostes nipônicas, como a de Hidenori Sakanaka, diretor do Instituto de Política Imigratória do Japão, que analisa que, quanto a forma, está sendo tratada a questão: "É uma desgraça, é cruel", para concluir. "O Japão está dando um tiro no pé. Podemos estar em recessão agora, mas está claro que [o país] não tem futuro sem trabalhadores do exterior". Mas, no momento, o que prevalece é o pensamento expresso pelo ex-ministro da Saúde Jiro Kawasaki: "Não haverá boas oportunidades de emprego por um tempo, por isso estamos sugerindo que os nikkeis brasileiros vão embora".
Este mesmo cidadão conclui, de modo simplista, o seu ‘nobre’ raciocínio: "Deveríamos parar de permitir a entrada de trabalhadores não qualificados no Japão" e vai além: "Deveríamos garantir que mesmo os empregos 'triplo K' sejam bem pagos, e que sejam preenchidos por japoneses. Não acho que o Japão deva se tornar uma sociedade multiétnica". Seria o caso de perguntar a esse ilustre senhor, o que o Japão faria se os países que absorveram as levas de migrantes nipônicos tivessem a mesma atitude com relação ao seu rico país. No mais, ao que parece seguir o raciocínio, chega-se ao seguinte procedimento: exportamos os nossos problemas, e importamos soluções. De fato é algo utilitário, mas dá para dizer que tenha qualquer tipo de nobreza, algo tão pregado nos preceitos de honra da fantástica cultura japoneses? E aqui não vai nenhuma ironia.


Gilberto Brandão Marcon,Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação. 

 
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 28/05/2009
Reeditado em 06/07/2009
Código do texto: T1619164
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