Anistia ao Homem do Campo

Na década de 1980, na condição de funcionário do Banco do Brasil, lotado numa agência do interior de Alagoas, fui incumbido do fazer o enquadramento do camponês que faria jus à anistia, concedida pelo govero federal. Embora não muito experiente na função bancária, a Carta-Circular detalhava minunciosamente os critérios para que o mutuário se enqudrasse naquele benefício. Lembro que eram 10 itens a serem observados, a exemplo de data do financiamento, destinação, valor, área financiada, entre tantos outros, de maneira que, se apenas um não fosse atendido, não se enquadraria nos critérios da anistia.

Entres os muitos agricultores beneficiados, um deles morava a quatro léguas do Banco (24 quilômetros) e dizia gastar quatro horas de caminhada para ali chegar, numa média de uma légua por hora. Nem relógio tinha, mas dizia que saía de casa quando a estrela d'Alva estava a uma determinada altura, que correspondia a quatro da madrugada, para chegar ao banco no início do expediente, às 08:00h.

Atendidos os requisitos, sua dívida foi zerada, desconsiderando a sua inadimplência.

Cerca de dez anos depois de minha aposentadoria, numa das minhas eventuais idas àquela cidade ribeirinha do São Francisco, encontro aquele agricultor, num Fiat Uno vermelho, também com seu relógio Orient no pulso, e ele fez questão de frisar algo de que nem eu mais me lembrava, pois foram muitos os agricultores anistiados: "seu Irineu, graças ao senhor, eu não precisei vender minhas vaquinhas para pagar minha dívida no Banco. Por isso hoje eu tenho esse carrinho".

Ora, fiz apenas meu trabalho, sem lhe prestar nenhum favor.

Como seu financiamento foi para plantar milho e feijão, mesmo que não houvesse a anista, o PROAGRO, Programa de Garantia da Atividade Agropecuária, cobriria a sua dívida, pois, por conta da seca, o feijão e o milho não prosperaram.

E,segundo ele, anteriormente havia procurado o Banco, preocupado com a dívida, e eu havia dito: "não venda suas vaquinhas, o governo vai perdoar sua dívida".

Ora, como dizem que "quem dá esquece e quem recebe lembra", realmente eu nem lembrava mais. Nada dei, apenas executei meu trabalho. Mas confesso que fiquei feliz em vê-lo com seu Fiat vermelho para compensar suas longas caminhadas, a partir do romper da estrela D'ALVA.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 22/10/2021
Reeditado em 22/10/2021
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