INTERDISCIPLINARES PERSPECTIVAS:
ATUAÇÃO E FORMAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA NOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE.
                                                                         Prof. João Beauclair
                       PUC- São Paulo e Universidade de Vigo, Espanha.
                                                                     
Resumo:
Um grande desafio atual reside em fazer revisões de conceitos frente às diferentes experiências de atuação e formação em Psicopedagogia, pois as perspectivas presentes no campo educativo e psicopedagógico possuem desdobramentos no movimento de buscas por novos conhecimentos e formas de intervenção psicossocioeducativa. Num mundo caracterizado como “espaçotempo” de contínuas aprendizagens e vertiginosas produções de informação, necessitamos de novas percepções sobre a gama complexa de relações que estabelecemos em interação com os outros, com o mundo, conosco mesmo. Esta constatação requer a construção de novas narrativas que se proponha a dar conta da complexa dinâmica presente no exercício, na atuação e na formação permanente do profissional de Psicopedagogia. A partir de referenciais interdisciplinares, aqui se propõem uma articulação de possibilidades de compreensão de saberes e espaços vitais que colaborem e reforcem as reflexões já presentes no debate acerca da questão.
            Assim, já que a formação em Psicopedagogia torna-se, cada vez mais, eminentemente interdisciplinar, aqui se faz uma interlocução com suas perspectivas, visando possibilidades de surgimento de novas reflexões, contribuindo, desse modo, aos exercícios de novas autorias.  
 
Palavras-chave:
Interdisciplinaridade, Formação, Atuação Profissional, Autoria de Pensamento, Psicopedagogia.
 
I - Desafios da contemporaneidade.
Defrontamos-nos com um espaçotempo imensamente complexo e rico e, por isso mesmo, gerador de muitas angústias, por não darmos conta da totalidade que se apresenta, de modo diverso, a cada um de nós. Iniciamos um novo século, inauguramos um novo milênio e, com isso, nossa atualidade nos desafia de modo permanente a superação de visões restritas de vida, de mundo e, ainda, de aprendizagem.
            As tensões, os desafios e os dilemas da contemporaneidade apontam para a vital importância e necessidade de nos aprimorarmos como humanos e, com isso, ampliarmos nossas distintas compreensões sobre a complexidade dinâmica da realidade.
            Ainda é tarefa posta colocar como fundante em nossas intervenções a centralidade humana, percebendo que somos sujeitos autores de nossas histórias de vida, seres determinantes e determinados pelos diferentes contextos, com específicas realidades, permeados por nossas relações conosco mesmos, com os outros, com o mundo e toda a sua diversidade de fenômenos, processos e movimentos. 
            Também deve ser nosso permanente exercício organizar conjuntos de idéias que favoreçam construções novas, que possam fazer emergir visões mais amplas sobre o que possa ser o campo de atuação e de intervenção em Psicopedagogia, sem esquecer que seu objeto essencial é o sujeito aprendente, que aprende o tempo todo, todo o tempo nas múltiplas interações com o mundo a as possibilidades que dele emerge para que sejamos todos e todas efetivamente sujeitos autores de nossas histórias de vida.
            Hoje, a Psicopedagogia apresenta muitos desdobramentos conceituais, que podem ser de alguma serventia para buscas por novos conhecimentos e saberes. A opção por visões de vida, aprendizagem e mundo que seja mais psicopedagógicas nos desafia a olhar o mundo como uma grande possibilidade de compreender a diversidade, de interagir com o outro, de vivenciar o novo, de valorizar o percurso do vivido, de instaurar possibilidades de novos diálogos na procura por novas maneiras de perceber a multiplicidade de saberes e as diferentes potencialidades presentes em cada um de nós.
            Assim, a Psicopedagogia é uma articulação em movimento, uma abertura para novas percepções, plena de sentidos de inquietações, entusiasmos e buscas por construção e reconstrução de caminhos. As revisões de condutas e as nossas aproximações com as novas maneiras de ser e estar agindo e intervindo num mundo em permanente construção também cabem nesta articulação.  
            A meu ver a Psicopedagogia é extremamente dinâmica, interdisciplinar, plural, plenas de significados e sentidos presentes em nossas subjetividades. O respeito necessário a todo este modo de perceber o campo de atuação e intervenção oriundo do modo de agir e pensar psicopedagógico nos leva a pensar sobre uma breve revisão sobre a atuação e formação em Psicopedagogia, revendo movimentos de autorias e ampliando potencialidades para novas compreensões.
 
II - Interdisciplinares perspectivas: atuação e formação em Psicopedagogia.
 
A atuação e a formação em Psicopedagogia estão vinculadas, pois quem aceita o desafio de movimentar-se em seus campos conceituais, não separa uma coisa de outra. Sempre afirmo, nos espaços e tempos onde possuo algum tipo de interlocução que o profissional de psicopedagógica forma-se cotidianamente, em suas múltiplas possibilidades de seguir aprendendo sempre e. o que acredito ser mais importante: aprendendo com os seus próprios dilemas, com suas proporias duvidas e movimentações.
            A trajetória profissional em psicopedagogia inicia-se desde a busca pela própria formação, que deve estar focada na permanente rotina de se tentar compreender os próprios processos de aprendizagem e ensinagem. Se posso afirmar que as perspectivas da Interdisciplinaridade estão imbricadas neste movimento, vejo a necessidade de permanente diálogo com campos de saberes distintos e isso, por si só, já nos fazem eternos aprendentes.
            Uma formação em Psicopedagogia que nos qualifique para o seu exercício ético demanda momentos distintos, devendo estar configurando em sua trajetória o necessário fomento ao desenvolvimento de processos de autoria de pensamento. Tudo isso requer, portanto, que todos nós tenhamos as vivências investigativas sobre nossas próprias modalidades de aprendizagem e suficiente abertura para perceber que os processos da cognição estão imersos nas águas da afetividade e da amorosidade, pois só aprende quem está de algum modo vinculado ao que se propõe aprende.
            Assim, é de grande importância que os cursos de formação inicial em Psicopedagoia se vejam compromissados com visões humanísticas plenas, que capacitem e formem pessoas com um olhar mais abrangente, menos cartesiano e mais pleno de significados e sentidos para aqueles que desejam atuar neste campo do conhecimento humano que, quando bem tratado, pode favorecer surgimentos de sínteses e perspectivas que enriqueçam as experiências de vida de cada um: encontrar-se com a Psicopedagogia é, para mim, um encontro consigo mesmo, ampliando nossas possibilidades de melhoria e evolução, como sujeitos e autores de nossos pensamentos.
            Com meus estudos sobre a Interdisciplinaridade, em tempos idos e atuais, ouso vincular todo este processo de aprender ao longo da vida como uma atitude nova diante às múltiplas questões presentes no conhecimento humano, que seja atitude plena de aberturas para nossas indagações e questões referentes aos desafios postos para nossa compreensão do que pode ser desvelado a respeito do ato de aprender e de ensinar. Assim, será com as imersões profundas em nossas ações e práticas cotidianas que poderão nos autorizar a olhar com mais clareza os princípios da humildade, da coerência, da espera, do respeito e do desapego, proposto pela perspectiva interdisciplinar.
 
IV – Possibilidades de surgimento de novas reflexões: contribuindo aos exercícios de novas autorias.  
            Convido aos leitores deste artigo a conhecerem outros anteriores movimentos meus de autoria, visto que algumas das questões aqui levantadas foram objeto de outras produções. Entretanto, como possibilidades de surgimento de novas reflexões, processos de ousadias e afetividades podem ser operadores cognitivos facilitadores de novas trocas e parcerias subjetivas e intersubjetivas.
            Assim, podemos nos pautar numa ação em movimento que seja percebida em suas ambigüidades, onde incertezas e metamorfoses sejam pressupostos que possam nos delimitar o que é essencial, mas que não nos impeça de ampliar possibilidades para contextualizar, para conhecer, para recuperar memórias e fomentar diferentes potencialidades para o desenvolvimento de exercícios de nossas autorias de pensamento, em nossas formações e atuações.
            Aposto que a compreensão da linguagem, nas suas diferentes modalidades de expressivas e comunicacionais pode ampliar nossas linguagens reflexivas, mas sobretudo possibilitar nossa maturidade profissional, prática e intelectual, num movimento processual que nos traga a necessária reflexibilidade utilizando sensibilizações e metáforas, na prática e nas vivências formativas, acoplada as dimensões múltiplas presentes na contextualização do real.
            A atitude interdisciplinar reconhece o direito as nossas construções a partir do vivido, validando o percurso e as heranças culturais acumuladas ao longo da história humana, não fazendo uma negação do que pode ser considerado “velho”, mas fazendo sua assunção junto com o que pode ser o “novo”, buscando a analise das potencialidades que se fazem presente em todo este processo.
            Um desafio é juntar, na verificação dos significados e sentidos de nossas formações, atuações e práticas, nossos questionamentos existenciais e intelectuais. Os primeiros podem nos conduzir a transcendência dos limites presentes nos conceitos, numa proposição de pesquisas interdisciplinares e os questionamentos intelectuais podem tão somente nos dar respostas disciplinares e previsíveis.
            Nas possibilidades de surgimento de novas reflexões e contribuindo aos exercícios de novas autorias, vale entrar no campo da construção de nossas subjetividades, dando espaço para que as dimensões do sonho, da sabedoria, da coragem e da humildade que nos leve até a construção de processos de interação geradores de novas narrativas e identidades.
            Na formação e na atuação profissional do psicopedagogo, devemos ser capazes de identificar a origem de suas modalidades de aprendizagem, analisando com criticidade suas consistências, distinguindo-as e percebendo-as como uma entre outras tantas, sabendo que fazemos parte de processos de autorias grupais: vivemos em um tempo social que nos desafiam a estarmos em grupos, interagindo uns com outros, compartilhando vivências e inquietações.
            Assim, as interdisciplinares perspectivas na atuação e formação em psicopedagogia nos desafios da contemporaneidade nos impele ao encontro com os âmbitos do sensível, cuidando da palavra, do gesto, das significações e sentidos do/no mundo: nos cabe destacar a importância do uso das metáforas que, quando contempladas, nos institui ao exercício do despertar para a amplitude da questão da atuação e da formação em Psicopedagogia.
            Nos cabe o desafio de dar nossa parcela de contribuição para a questão e o fluxo continuo do viver, adquirindo compreensões novas, contemplando a foramçao de novas narrativas e adquirindo a capacidade de lidar com o outro, com o mundo, enfim recuperamos o sentido da vida. Aprender e apreender-me na experiência vivida — exercício de tolerância e de humildade próprios de uma generosidade que inaugura a Educação do Amanhã.
            Olhar o que não se mostra e alcançar o que ainda não se consegue . Isto envolve uma nova atitude de aprendiz-pesquisador, o que aprende com sua própria experiência pesquisando.
            Para tanto, é impossível pensá-la como um modelo estático ou um paradigma ao qual por exemplo um currículo deva conformar-se.
            Pressuporia paradoxos que desafiam e revolucionam os paradigmas norteadores, desestabilizando-os para conduzi-los à um nova ordem.
 
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