O OUTRO É INFERNO OU CÉU?

“Há uma linguagem silenciosa entre os espaços” ISAAC NEWTON

“O silêncio desse espaço me apavora” BRAISE PASCAL

Sempre procurei refleti sobre o que significa conviver com os outros. Cresci e aprendi com meus pais que “ninguém é uma ilha”. Precisamos dos outros, pois com outro aprendemos, caminhamos, brigamos, caímos e levantamos. Minhas limitações humanas são as mesmas dos outros. Assim, tanto o “eu” quanto o “outro” estamos presos à condição humana.

Em meio a tudo isso, o outro acaba muitas vezes trazendo fortes angustias ao eu. Quantas e quantas vezes queremos “acabar”, “por fim”, “eliminar” o outro; mas também quantas e inumeras vezes o outro me traz paz, conforto, carinho e segurança. Somos eminentemente ignorantes e violentos com outro. Não conseguimos captar o outro, entendê-lo, apreendê-lo, pega-lo, o outro é como a água que nos escapa, vaza pelas mínimas fendas. Quando eu começo a entendê-lo ele me surpreende. O outro também é como o fogo, pois consome minha intelecção de entendê-lo. Vivi isso de perto, e procurei cada dia criar um espaço comunitário no Seminário Santo Antonio onde passei mais de cinco anos como seminarista católico.

Na graduação de filosofia estudei dois filósofos que me fizeram compreender um pouquinho sobre o paraíso e o inferno dos outros. Esse dois filósofos foram contemporâneos, não sei se algum dia eles se encontraram ou tampouco se conheceram e dialogaram entre si. Apenas sei que um defende a filosofia da crise, conhecida também como existencialismo e o outro defende a filosofia da alteridade. Refiro-me a Sartre e a Emmanuel Levinas.

Sartre foi pai do existencialismo moderno. No seu célebre livro “O Ser e o Nada” em um dos capítulos enfoca que o outro é meu inferno. Para esse autor, “eu sou minhas possibilidades”, e quando o outro às tira de mim, atrapalhando a realização e escolha das possíveis possibilidades, esse outro se torna meu inferno. Sei que para Sartre estamos condenados à existência, a existência me define. A existência precede a essência, devo viver a angustia e náusea de está condenado à liberdade, ainda que esta liberdade seja uma gaiola com asas.

Ao contrario do filosofo existencialista, Levinas ver o outro como um desvelamento, nos conhecemos apenas o fenômeno outro, nunca conhecemos sua plenitude, o ato de conhecê-lo é a possibilidade de entrarmos no paraíso. Pois, o outro é como espelho que reflete a mim mesmo. Através do outro encontramos a nossa autenticidade. Não é através do interesse que conhecemos o outro, mas através do desinteresse, o ser desprovido de si mesmo em prol do outro. Para conviver e aprender a grandiosidade do outro é necessário esvazia-se do eu, fazer aquilo que os místicos chamavam de acese, desprendimento total, um processo kenótico. Não é por menos que Levinas muitos vezes por ser judeu era chamado por seus descendentes de o católico.

Em síntese, ver a alteridade é viver a autenticidade, assim é preciso reciprocidade onde o outro me faz perceber o eu mesmo, nossa sociedade é uma sociedade da técnica na qual coisificamos o outro, transformamos o outro em nosso objeto. Levinas pretende nos envolver em uma filosofia não a partir do eu, mas a partir do outro. É preciso olhar por uma outra ótica que não seja egocêntrica, mas altecêntrica. Isso é difícil, mas não é impossível. Homens e mulheres como: Buda, Jesus Cristo, Ghandi, Francisco de Assis, Tereza de Calcutá, ir. Duce, ir. Doraty, dom Elder Câmara, pe. Josimo e Mario Dayvit e tantos outros. São exemplo de pessoas que foram capazes de perceber e viver a grandiosidade da filosofia do outro.

Quando somos engavetados e humilhados pelo outro, o outro se torna meu inferno. Quando somos exaltados e enaltecidos, o outro se torna meu paraíso. Cuidado porque os estados de coisas se invertem, às vezes quem me aprisiona é quem me liberta, tornando-se meu céu. Assim, como quem me liberta é que me aprisiona, tornado-se meu inferno.

Nós seres humanos, somos infinitamente enigmáticos, nenhuma logia por mais profunda que seja será capaz de definir o homem. Religião, sociedade, ou qualquer outra coisa não é capaz de nos deixar satisfeito. Somos transcendentes, vivemos como se fossemos eternos. Somos ao mesmo tempo céu e inferno, não há dualismo, somos o eu e somos o outro, pois somos os outros dos outros. Às vezes acredito que Leonardo Boff tenha razão quando diz que somos um projeto infinito. Como também às vezes caio no niilismo dizendo que não somos nada. No entanto, minha fé me permite acreditar em algo presente aqui que se realiza em um tempo distante, mas angustia-me pelas palavras que escapam na famosa teimosia e tentativa de explicá-la.

Marcio dos Santos Rabelo
Enviado por Marcio dos Santos Rabelo em 30/08/2010
Reeditado em 03/09/2010
Código do texto: T2467993
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