Que cidadania?

Wilson Correia

Em uma sociedade, como a brasileira, onde impera o capitalismo e seus princípios (compreendidos como proprietarismo sem função social, lucro, consumismo, acumulação e competitivismo), a vida republicana encontra dificuldade para ser adotada como estilo existencial cidadão por parte de homens e mulheres.

Por quê? Porque nesse tipo de sociedade o mundo do “eu” e do “meu” é potencializado ao nível do aniquilamento do mundo do “nós” e do “nosso”. Aí os poucos incluídos se sentem senhores da produção e da apropriação dos bens necessários à saudável vivência da dignidade cidadã, realidade estranhada pelos muitos excluídos.

Dois extremos, então, passam a existir entre nós: o dos poucos incluídos, amparados no individualismo possessivo, os quais privatizam o que diz respeito ao “nosso”, esses sujeitos que querem conformar o modelo societário e sua economia, política, cultura e ideologia aos imperativos do ter egóico e individual, e o dos muitos alijados do processo societário, os quais não se sentem legitimados como parte do pacto ou contrato social que os incluídos fizeram à revelia dos de fora desse processo.

Em meio a esses extremos, a república (res pública = coisa pública) termina duplamente vítima de um e de outros: os incluídos a achincalham por fazerem-se sujeitos de privilégios e os excluídos não a respeitam por saber que a “coisa pública” brasileira não se presta à garantia de seus direitos individuais e sociais.

A via que os incluídos tomam para aniquilar a vida republicana tem sido, destacadamente, a da corrupção e modalidades análogas de privatização da riqueza que deveria ser colocada a serviço da construção da vida digna e cidadã de todos.

O caminho pelo qual os excluídos detonam a coisa pública é o do desrespeito ao bem comum, sinalizado pela depredação do patrimônio público, pelo xixi sobre os bens nas vias públicas e adjacências, pelo estilhaçamento de telefones de uso comum, de obras de arte, fios de redes elétricas e assemelhados... para ficar em apenas alguns exemplos dessa coisa que expressa o entendimento de que “o que é de todos não é de ninguém e pode ser destruído”.

Desse modo, o tecido social, que deveria fazer-se coeso pelo princípio ético e legal elaborado com normas e leis para todos, agoniza ali onde a república também é levada à cova.

Em uma situação social assim caracterizada, com privilégios prevalecendo sobre direitos negados, como é possível a conquista da cidadania?