Pertencer para conviver

Wilson Correia

“A palavra ética vem do grego ‘ethos’ e significa caráter e modo de ser, estilo existencial, herdado ou aprendido. A ética refere-se ao conjunto de princípios e valores que norteiam a vida em sociedade e as relações travadas pelo conjunto dos cidadãos. Por estar ligada à cidadania, a ética tem a ver com o modo como organizamos a vida, em todas as suas dimensões. Por esse motivo, podemos falar de uma ética estudantil que fundamente o agir de uns perante os outros” (CORREIA, W. ‘Aprender não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, p. 163).

Cito meu pensamento no parágrafo anterior motivado pelo fato de uma estudante de direito ter sugerido, via ‘twitter’, a matança de nordestinos como forma de vingança contra os eleitores de Dilma Rousseff, a presidenta eleita do Brasil e já apontada pela ‘Revista Forbes’ como a 16ª pessoa mais influente do mundo.

Na perspectiva dos estudos da ética, como analisar a manifestação acima, lastreada num xenofobismo guetista mórbido e inacreditável pelo seu potencial destrutivo?

À primeira vista, o senso de pertença ao gênero humano talvez tenha sido o grande ausente no ato praticado pela estudante paulista. Ela me parece herdeira do humano dito moderno, esse que pôs de lado a possibilidade de ser parte de um cosmos e que, tendo aberto mão do sentimento de pertença a uma ordem divina da existência, lançou-se no mundo como o centro de tudo, capaz de tudo investigar, conhecer, explorar e, por conseguinte, dominar.

A figura desse humano empreendedor fez uma história, desde o fim das Revoluções Burguesas, que evidencia homens e mulheres fazendo-se senhores de seres de todos os reinos, com destaque para o senhorio do semelhante. “Eu não me reconheço naquele com quem concorro no comércio. Não me identifico com aquele a quem exploro nas relações assalariadas. Não me vejo no meu adversário (que virou inimigo) nessa nossa vida individualista e competitivista nas esferas familiar, profissional e social, com a vida estudantil aí incluída".

Exatamente pelo fato de as instituições formadoras de homens e mulheres serem socialmente referenciadas é que esse tipo de evento tem lugar em suas dependências: sinal daquilo que está atravessando e qualificando nossa vida em sociedade cotidiana.

De fato, parece, construímos um estilo existencial e um modo de ser-estar no mundo o qual leva a “mônoda” individual que é cada pessoa a não se reconhecer no outro, pretensamente igual, mas, realisticamente, um estranho, alguém que, hobbesianamente falando, tenho de tratar como o lobo que posso aniquilar.

Nesse estranhamento reside o não pertencimento, sendo isso o que nos diz o gesto dessa estudante paulista. Ela desconsidera por completo que a capital em que mora só foi possível graças ao suor daqueles que, hoje, ela concebe, obtusamente, como não merecedores da vida. Ela, sim, o ser eticamente mais desenvolvido, como os ‘darwinistas’ sociais talvez propusessem, sente-se digna de existir.

Quem sabe ela se veja como parte de uma espécie de seres superiores, que transcenderam a existência dos simples mortais, distanciando-se, eticamente falando, dos demais humanos que insistem em acreditar em igualdade, valor da diferença e protagonismo democrático. Penso que se essa estudante de direito (logo de direito!!!) se perfilasse junto a esses últimos, talvez ela não tivesse feito o que fez, mas, para isso, sentir-se pertencendo ao gênero humano seria fundamental – exatamente o que, lamentavelmente, o gesto dela não quis dizer.