ENGANOS SOBRE PAULO FREIRE

Um rápido olhar através da história nos mostra que os maiores inimigos dos gênios não são seus opositores, mas aqueles discípulos que defendem os ideais dos mestres criando doutrinas.

O exemplo clássico é o de Jesus. O Cristo trouxe uma mensagem de amor e compaixão, mas ainda hoje suas palavras de vida são instrumentalizadas por alguns seguidores no intuito bizarro de justificar a intolerância.

No meio educacional brasileiro a vitima é Paulo Freire. O pai da Pedagogia do Oprimido virou uma espécie de ícone pop da esquerda festiva e um mestre dos intelectuais de passeata (para usar uma ironia rodriguiniana).

Nas reuniões de formação, nos encontros de professores, todos se sentem na obrigação de citá-lo, ainda que não se guiem pelos estudos do educador. Assim Paulo Freire virou uma deidade a qual todos devem queimar incenso.

Não sou absolutamente contrário as reverencias a Paulo Freire, mas percebo que em seu nome muita bobagem tem sido dita, porque tem muita gente criando doutrinas sobre as suas idéias, muitos hermeneutas e Freirelógolos criando interpretações que ao invés de unir os professores acabam por promover uma luta interna entre nós.

São inúmeras abominações ditas, mas a que mais destaco é a sua pseudo reprovação do uso o termo tia às professoras do ensino fundamental.

A idéia de que Paulo Freire se opõe terminantemente ao termo nasce da leitura superficial que alguns professores fazem do seu livro “Professora, sim. Tia, não. Cartas para quem ousa ensinar.” Em nenhum momento do livro Paulo faz proibições ou menosprezos ao uso do termo. Seu texto é contra o aspecto ingênuo que o termo carrega consigo.

Chamar uma educadora de tia pode criar uma relação alienante, onde a professora passa a ser vista apenas como um ser abnegado, sem nenhuma consciência de sua importância dentro da ação libertária de educar.

Paulo Freire se utiliza de um termo simples para construir uma rica reflexão sobre o papel do educador dentro da elaboração de um novo paradigma social. Sua intenção não é desfazer os laços de afeto entre professores e alunos, mas alertar contra um estado de dominação onde o educador tem o papel chave. Sua irritação não é com o termo em si, mas com a postura que alguns assumem diante do termo.

Uma pessoa pode muito bem ser alienada da postura libertária e se esconder sobre o verniz do titulo professora, e uma educadora pode ser profundamente engajada com as mudanças, assumindo um papel de agente social transformador e adorar ser chamada de tia. O problema não esta na forma como nossos alunos nos chamam, mas qual é nossa postura diante da realidade que nos cerca.

Infelizmente alguns professores são preconceituosos em relação ao termo tia. Preconceituosos porque julgam colegas baseados na forma como as crianças se referem ao educador e não na pratica destas professoras-tias. E pasmem dizem que são adeptos do pensamento de Paulo Freire.

Tais professores me fazem lembrar Orígenes, um dos grandes teólogos do então nascente cristianismo. Narra à lenda que Orígenes seguia as palavras do Evangelho com tanta austeridade que acabou arrancando seu pênis após ter mantido relações sexuais. O teólogo fez isto baseado na passagem “Se tua mão for causa de escândalo arranca-a e atira-a longe, pois é melhor entrar no reino dos céus sem a mão do que todo teu corpo queime no inferno.” Resultado, Orígenes apesar de ser um teólogo maior, não consta no santoral católico justamente porque se automutilou.

De que adianta exigir ser chamada de professora e estar entrincheirada dentro da sala dos professores, não se posicionar perante as injustiças, não mostrar importância e a necessidade de se promover uma greve por melhores condições de trabalho e salário? Não adianta querer ser chamada de professora e não contribuir em nada para a valorização do corpo docente.

Ser chamada de professora pode até ser moderno, vanguarda, mas se continuar alheia a construção de uma nova realidade seus alunos em breve vão chamá-la de hipócrita.