ATO ILICICITO CIVIL E PENAL - A LUZ DA DOUTRINA E JURISPRUDENCIA BRASILEIRA.

Danos morais são lesões sofridas pelas pessoas físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, caracterizados, no entanto, sempre por via de reflexos produzidos, por ação ou omissão de outrem. São aqueles danos que atingem a moralidade, personalidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas.

Ignoto.

SUMÁRIO – Introdução; 1. Direito de punir, e pretensão punitiva; 2. A Vítima no Processo Penal; 3. A Pretensão Civil; 4. Distinção entre ilícito civil e ilícito penal; Notas bibliográficas.

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INTRODUÇÃO

Versa o presente trabalho, sobre o ato ilícito e seus aspectos civis e penais, a luz da doutrina e da jurisprudência brasileira. Podemos definir atos ilícitos, como sendo aqueles atos que vão de encontro ao ordenamento jurídico, lesando o direito subjetivo de alguém. Para que se configure o ato ilícito é necessário que haja um dano moral ou material à vítima, uma conduta culposa, por parte do autor e um nexo causal entre o dano configurado e a conduta ilícita, entendimento do artigo 186 do CCB.

Ilícito civil gera uma obrigação, de natureza indenizatória, pois seu caráter é pecuniário, pelos danos efetivos e, em alguns casos, pelo que a vítima deixou de lucrar com o dano provocado. (lucros cessantes).

Tal obrigação decorre da responsabilidade civil objetiva, que é a possibilidade jurídica que determinada pessoa tem de responder pelos seus atos, sejam eles lícitos ou não. A responsabilidade pode ser direta, quando o sujeito responde pelos próprios atos ou indireta, quando o sujeito responder por atos de terceiros.

A definição de ato ilícito é de suma importância para a responsabilidade civil e penal, vez que esta faz nascer à obrigação de reparar o dano, e aquela a de responder pelo dano causado a outrem. O ilícito repercute na esfera do direito produzindo efeitos jurídicos não pretendidos pelo agente, mas impostos pelo ordenamento. Em vez de direitos, criam deveres. A primeira das conseqüências que decorrem, é o dever de reparar o dano causado.

No campo do direito, o ilícito alça-se à altura de categoria jurídica e, como entidade, é revestida de unidade ôntica , diversificada em penal e civil, apenas para efeitos de integração, neste ou naquele ramo, evidenciando-se a diferença quantitativa ou de grau, não a diferença qualitativa ou de substância.

E o princípio que obriga o autor do ato ilícito a responsabilizar-se pelo prejuízo que causou, ou mesmo quando responde de forma indireta, indenizando-o, é de ordem pública, ressalta a renomada Maria Helena Diniz. A definição de ato ilícito afirmada pela plêiade de renomados doutrinadores a seguir mencionados salienta diferença apenas no estilo pessoal de cada deles expor. Vejam-se a seguir, ut fit :

“Ato ilícito é, portanto, o que praticado sem direito, causa dano a outrem.” (Clovis Bevilaqua)

“Que é ato ilícito? Em sentido restrito, ato ilícito é todo fato que, não sendo fundado em Direito, cause dano a outrem” (Carvalho de Mendonça)

“O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão.” (Maria Helena Diniz)

“Ato ilícito. Ação ou omissão contrária à lei, da qual resulta danos a outrem.” (Marcus Cláudio Acquaviva)

A diferença fundamental entre os ilícitos reside na aplicação do sistema sancionatório, posto que o direito penal possa afetar a liberdade da pessoa do infrator, como o direito de ir e vir, enquanto que o âmbito civil irá atingir sua esfera pessoal, sua subjetividade, mas preferencialmente o seu patrimônio. Embora, as duas espécies de sanções possam ser aplicadas cumulativamentes. O fato é que o comportamento contrário à norma tipifica uma ilicitude. Concluímos que o ilícito civil é a transgressão do dever jurídico quer seja legal, quer seja negocial. E o penal, é a violação do dispositivo legal, expresso no direito positivado, ex vi, da letra fria da lei. Maktub ! .

A atuação dos particulares funda-se no princípio da autonomia da vontade , o livre arbítrio, o que representa responder por seus atos, lícitos ou não, se não há norma proibitiva, a conduta é permitida, a conseqüência desses atos, é que terá repercussão na esfera civil e penal.

Na esfera criminal, os ilícitos podem ser definidos como crimes ou contravenções e, ao puni-los, o Estado-Juiz, faz-se valer da aplicação de sanções mais graves chamadas de penas. Mas esses mesmos atos, enquanto envolvam a violação de interesses de pessoas singularmente consideradas, pertencem também ao direito civil. Os atos ilícitos distinguem-se por sua natureza, por serem, civis, penais, administrativos, e por sua regulamentação, (sanção punitiva), reflexo e conseqüência do ato em si, que ira repercutir em todas as esferas tuteladas pelo direito.

Assim, o ato ilícito pressupõe sempre uma relação jurídica originária lesada e a sua conseqüência é uma responsabilidade, ou seja, o dever de indenizar ou ressarcir o dano causado pelo inadimplemento do dever jurídico existente na relação jurídica originária, assim como o de responder, pela prática de seus atos, sendo esta aplicação mais ampla.

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1. O DIREITO DE PUNIR E A PRETENSÃO PUNITIVA

Com a evolução da humanidade, e seu convívio em sociedade, o homem sentiu a necessidade de abolir a vingança privada e a autodefesa , passando para o Estado a função de dirimir os conflitos na sociedade. Antes disso, o ofendido buscava a reparação (lato sensu) do dano, e a punição, agindo diretamente sobre o ofensor. (olho por olho, dente por dente, lei de talião).

Com o surgimento da jurisdição , passou o Estado, então, a deter com exclusividade o direito de punir alguém pela prática de um determinado fato delituoso. O próprio Estado positivou as relações pessoais, chamando para si, o completo controle. O Estado chamou pra si a administração da Justiça. O jus puniendi despontou como uma decorrência indeclinável da própria soberania estatal, não dependendo, sequer, da prática do delito, pois é um direito genérico e abstratamente considerado. Com a prática efetiva do ilícito penal, porém, aparece a pretensão punitiva estatal que exige, portanto e ao contrário do direito de punir, a concreção da conduta delituosa.

O jus puniendi, como se disse, traduz, em verdade, uma das facetas da soberania do Estado, que monopolizou a administração da Justiça, responsabilizando-se pela aplicação das sanções penais e, mais, desautorizando a vingança privada: é o seu poder de império. O Estado, como interessado primeiro na PAZ SOCIAL, trouxe para si o direito de punir todo aquele que incidir em um tipo penal, direito que se concretiza com a prática delituosa (pretensão punitiva).

Assim, iniciada a execução de uma infração penal, o jus puniendi, que sempre esteve à disposição do Estado, transforma-se em jus puniendi in concreto, é dizer, na pretensão punitiva, dando ensejo a que se exercite o direito de ação, ora através do Parquet (nas ações penais públicas), ora, excepcionalmente, através do próprio ofendido, agora como substituto processual (nas ações penais de iniciativa privada).

Ação Penal Pública - Ação Pública, é aquela promovida pelo poder público, tendo como seu patrono o Parquet , sua previsão é Constitucional, ex vi, da exegese dos artigos, Art. 5º, LIX, c/c Art. 129, I, ambos da Carta Republicana de 1998.

É a ação penal promovida pelo Parquet, e pode ser condicionada ou incondicionada . A primeira depende de representação do ofendido ou de requisição por parte do Ministro da Justiça. A segunda independe de outra iniciativa que não a do próprio Parquet. Normalmente a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

Assim, um meio prático de saber se a ação é pública ou privada consiste na verificação, em cada caso, do que diz o CP ao definir os crimes: se, depois da definição, estiver dito que somente se procederá mediante queixa da parte ofendida (v.g, Art. 145), a ação será privada. A ação penal privada poderá ser intentada como subsidiária da ação penal pública, no caso de o Parquet, não oferecer denúncia no prazo legal, a luz do entendimento esposado no Art. 100 do Código Penal.

Cabe frisar, portanto, que o poder exclusivo do Estado, em punir seus concidadãos, é o que garante a PAZ SOCIAL, a estabilidade entre os cidadãos, a harmonia, no seio social. Pelo menos “em tese”, seria esse o entendimento. Para isso, o Estado se vale do controle estatal, sobre os indivíduos, como forma de manter o equilíbrio social, sob pena de reinar a lei do mais forte, sem a segurança necessária, para a existência do bem comum.

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2. A Vítima no Processo Penal

O ofendido pelo crime, sujeito passivo da relação jurídico-penal , normalmente não integra a relação jurídico-processual penal, salvo nas ações penais de iniciativa privada quando poderá, em nome próprio, interpuser a ação penal, oferecendo uma queixa-crime.

Já nas ações penais públicas (a grande maioria), porém, a vítima desempenha um papel absolutamente secundário. Basta para isso, a notitia criminis , quando o Estado chama pra si, o fato, e a partir desse momento, é o dono do poder de ação. Mesmo que se habilite, a vitima ou seus familiares, como assistente de acusação, ainda assim, tem suas atividades bastante reduzidas, não podendo sequer interpor todos os recursos previstos na legislação processual ex vi, do entendimento preconizado pelo artigo 271 do Código de Processo Penal, in litteris:

Art. 271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Parquet, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1o, e 598.

Na verdade, é fato inconteste que a vítima não ocupa na ciência criminal um papel de relevo, ao contrário do que ocorreu no início da civilização quando "teve relevante papel na punição dos autores de crimes".

García-Pablos, Verbi gratia , informa que "o abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (...). O Direito Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da previsão social e do Direito Civil material e processual". (MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de Luiz Flávio Gomes).

A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano desimportante, inclusive pela "falta de mención de disposiciones expressas en los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos valores ultrajados". (SPROVIERO Juan H., La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 24).

O que ocorre é que a lide penal se consubstancia, basicamente, no conflito entre a pretensão punitiva do Estado e a pretensão à liberdade do acusado, status libertatis . Neste contexto, a vítima não é considerada como um sujeito de direitos, mas como mero objeto ou pretexto da investigação. (García-Pablos, ob. cit., p. 70).

É bem verdade que entre nós, com o advento da Lei nº. 9.099/95 privilegiou-se o sujeito passivo do crime, dando-se extrema importância à reparação civil dos danos (arts. 72 e 89, § 1º., I), chegando a se eleger como um dos objetivos da lei a reparação dos danos sofridos pela vítima (art. 62, in fine), in litteris:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Parquet, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

(Omissis)

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Parquet, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

(omissis)

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.(grifamos).

De toda forma, ainda há um grande caminho a percorrer quando se trata de se estabelecer exatamente o papel da vítima no processo penal. Mas que a proteção, diante de infrações de menor potencial ofensivo, parece-nos que cada vez mais, apregoa-se a disciplina da limitação da pretensão punitiva.________________________________________

3. A Pretensão Civil

A consumação de uma infração penal não acarreta, tão-somente, o aparecimento da pretensão punitiva do Estado. Com o crime poderá vir a surgir, também, a pretensão individual de ressarcimento do dano causado à vítima.

Assim, a princípio, ao lado da pretensão punitiva, de regra (pois nem toda ação delituosa é necessariamente ressarcível) a prática da infração penal dá ensejo ao direito de alguém a ser indenizado civilmente pelo dano provocado. Entre nós esta norma vinha expressa no art. 159 do anterior Código Civil, código Beviláquia:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

O Novel Códex, nos seus arts. 186 e 187, além de repetir a disposição supra, ampliaram-na para prever, expressamente a possibilidade do dano moral, o que já era aceito pela doutrina e jurisprudência pátrias, in litteris:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O dano causado pelo agente com dolo (prejuízo intencional, por ação ou omissão) ou culpa (violação do direito alheio, por negligência, imperícia ou imprudência) configura o ato ilícito, que impõe a reparação. (sic).

Tome, por exemplo, que uma pessoa, que teve seus documentos indevidamente usados, pode sofrer ou efetivamente sofre paralisação de suas atividades profissionais, retração de fornecedores ou clientes receosos quanto à sua idoneidade satisfatória, inclusive moral, além de desamparo de recursos dos estabelecimentos bancários mesmos, portanto tais atos que contrariam o Direito também experimentam conseqüências que se traduzem no dano moral .

Com efeito, a pessoa atingida com ato dessa natureza experimenta, de regra, abalo em sua reputação, vendo ipso facto atingido perniciosamente o conceito em que era tido e considerado no meio social, muito mais pelo fato de ser pessoa de boa índole, pessoa simples, com credito exemplar. Afora o atingimento dessa honra objetiva, também a subjetiva pode vir a ser comprometida seriamente, porquanto é de esperar que a pessoa se veja vulnerada no sentimento que tem a respeito de sua dignidade e decoro procure ser reparado.

Esse dano moral, assim, traduz-se empiricamente na reação psíquica, no desgosto experimentado pelo profissional, ficando de pés e mãos amarradas não sabendo a quem se dirigir, e a toda evidencia como as experiências dos Tribunais na missão de julgar, sujeitam à composição de perdas e danos, ma medida que gera esse abalo de crédito, tal abalo configura modalidade de dano, inclusive moral, porquanto encerra os prejuízos que alguém sofre na alma, no corpo ou em seus bens.

Esse abalo de crédito, a implicar danos na esfera jurídica e não somente jurídico-patrimonial da ofendida, é, a propósito, versado explicitamente com essa amplitude eficacial no sistema jurídico positivo brasileiro, como se pode verificar nas inúmeras jurisprudências e julgados em fatos anômalos.

Em se dando essa hipótese, não se há demandar à pessoa lesada qualquer alegação e prova de dano também material, porque temos a regra jurídica, insculpida no Art. 5°, X, da Carta Política Brasileira, a garantir não somente o direito à honra e à imagem das pessoas, como ainda e por conseqüência inafastável, à efetivação desse direito mesmo, a assegurar o direito à indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.

Não foi por outra razão de ser que em precedente na jurisprudência se definiu também que o dano puramente moral, sem repercussão na esfera patrimonial do ofendido, não há como - nem por que, acrescente-se - ser provado. Ele existe tão-somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo o bastante para justificar a indenização.

Na verdade, é bom advertir que o direito à ação penal não surge apenas quando do cometimento do delito. Como se sabe, a ação penal é um direito subjetivo público e abstrato e, como tal, "precede ao delito, é a este anterior. O que decorre do crime é a pretensão punitiva. O direito de agir para pôr em movimento os órgãos da jurisdição penal, o Parquet o possui em abstrato, pela só razão de não ser auto-executável o direito de punir". (MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, p. 289).

Com o crime surge, sim, a pretensão punitiva é o jus accusationis . Pode ocorrer, por outro lado, que da prática delituosa, por não ter acarretado um dano, não decorra qualquer pretensão civil, pois "infrações penais há que originam tão-somente a pretensão punitiva, como ocorre, por exemplo, em certos casos de tentativa branca, no crime impossível, nos crimes contra a paz pública, em alguns crimes contra a administração da justiça". (FILHO, Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal, Vol. II, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 3)

Rogério Lauria Tucci ensina:

"De outra banda, é de todo inaceitável a afirmação no sentido de que do crime nasce à ação penal. Deve ser entendido, pelo contrário, que esta precede àquele, que origina – isso, sim – o poder-dever de punir do Estado, contrastante com o anseio de liberdade do indivíduo integrante da comunhão social.” (Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 85)

Com tais ressalvas, o certo é que, via de regra, a prática do delito também faz surgir a pretensão da vítima a um ressarcimento pelo respectivo dano. Como escreveu Bettiol, "o crime ocasiona, portanto, não apenas um dano penal, mas também um dano civil que deve ser reparado. Assim, gravita em torno do crime toda uma série de interesses e de disposições não penais que, por se referirem ao crime, poderiam agrupar-se sob a denominação de ‘direito criminal civil’".

Já Pimenta Bueno, o velho Marquês de São Vicente, advertia:

"Todo o crime sujeita o delinqüente a duas condições legais: a sofrer a sanção penal pelo delito que cometeu, e a reparar o mal ou dano que por ele causou”. (BUENO, José Antonio Pimenta, Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro, 3ª. ed., Rio de Janeiro: H. Garnier, 1959, p. 73)

Comentando o art. 159 do Código Civil revogado, ensina Clóvis:

"Tal como resulta dos termos do art. 159, ato ilícito é a violação do direito ou o dano causado a outrem por dolo ou culpa. O dolo consiste na intenção de ofender o direito ou prejudicar o patrimônio por ação ou omissão. A culpa é a negligência ou imprudência do agente, que determina violação do direito alheio ou causa prejuízo a outrem. Na culpa há, sempre, a violação de um dever preexistente”. (Clóvis Bevilaqua, Comentários ao Código Civil, Vol. I Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1949, p. 449).

Quem causar um dano a outrem passa a ter responsabilidade para indenizá-lo, por força da chamada responsabilidade extracontratual ou delitual que se baseia na existência de culpa do agente, "fonte genérica e abstrata da responsabilidade". (GOMES, Orlando, Obrigações, 1ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 377)

Do Magistério de Orlando Gomes, a responsabilidade delitual é a conseqüência "que a lei faz derivar da prática de um ato ilícito, que, por definição, há de ser culposo", alertando, com apoio em Josserand, "que o conceito de risco não expulsou o de culpa, que se conserva com a base normal e geral da responsabilidade". (idem, ibidem).

"Segundo a regra geral do Código Civil (art. 159), sem a culpa não existe responsabilidade civil por dano superveniente". (RT, 494:35).

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4. Distinção entre ilícito civil e ilícito penal

O ato ilícito é uma conduta contrária ao Direito que traz para o seu transgressor uma determinada sanção jurídica, necessariamente institucionalizada. Se a conduta ilícita, tendo em vista a natureza dos interesses que lesa, acarreta uma sanção de natureza penal (privação da liberdade, através da aplicação das penas de reclusão, detenção ou prisão simples; restrição de direitos; pecuniária e eventual medida de segurança) estamos diante de um ilícito penal, que tem sua origem no Código Penal e em leis penais extravagantes.

Como diz Tornaghi, "não há entre o delito civil e o delito penal nenhuma diferença intrínseca. A única divergência entre um e outro está exatamente na pena. No direito privado restabelece-se o equilíbrio jurídico, violado pelo ato ilícito, com a reparação do dano; no Direito penal, em teoria pelo menos, com a execução da pena". (Comentários ao Código de Processo Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 125)

Já o ilícito civil, que pressupõe a infração de norma que tutela interesse privado (Orlando Gomes, ob. cit., p. 350), acarreta sanções de outra natureza, não penais. O ilícito penal, levando-se em conta os valores por ele atingidos, não admite outra sanção senão a de caráter penal.

Ocorre que determinados fatos (aliás, a grande maioria) têm como conseqüência jurídica uma dupla sanção, uma de natureza penal, outra de natureza civil (esta última por ter também ferido um interesse privado), e especificamente nos casos de infrações de transito, e eleitoral, sanções administrativas. Por outro lado, as sanções civis têm aspectos visivelmente diversos das sanções penais, como a patrimonialidade, a transmissibilidade e o caráter não afligente.

Na dicção de Orlando Gomes, para a caracterização do ilícito civil "basta que um interesse privado seja atingido em conseqüência da conduta culposa de alguém. Se do fato material da violação de um dever jurídico resulta dano, o Direito civil está caracterizado". (idem, p. 351).

A violação da norma penal acarreta sanções punitivas, que se estendem, alem da esfera penal propriamente dita, pois terão reflexos na esfera civil, administrativa, eleitoral, e, especificamente, na esfera política, no que condizer aos atos dos gestores públicos, ex vi, do entendimento que cabe a violação dos dispostos, na L.I.A , e no termos do Decreto-Lei, 201/67 .

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MOTA, ANDRÉ LUIZ

FABRINY PAULA - FACULDADES INTEGRADA DO TAPAJOS

SANTAREM - PARA - BRASIL

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BIBLIOGRAFIA

BEVILAQUA, Clóvis Comentários ao Código Civil, Vol. I, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1949, p. 449).

BETTIOL Giuseppe, Direito Penal, Vol. III, São Paulo: RT, 1976, p. 229.

BRASIL, código de processo penal

BRASIL, LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995 Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

BRASIL, novo código civil.

BRASIL, código Civil de 1916, Código Beviláquia.

BUENO, José Antonio Pimenta, Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro, 3ª. ed., Rio de Janeiro: H. Garnier, 1959, p. 73)

COMENTÁRIOS ao Código de Processo Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 125

FILHO, Fernando da Costa Tourinho, Processo Penal, Vol. II, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 3.

GOMES, Orlando, Obrigações, 1ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 377.

MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, p. 289.

MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de Luiz Flávio Gomes.

SPROVIERO Juan H., La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 24.

TUCCI, Rogério Lauria, (Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 85)

KARAM, Maria Lúcia, in De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: LUAM, 1991, p. 128.

ANDRE LUIZ CORREA MOTA
Enviado por ANDRE LUIZ CORREA MOTA em 10/01/2011
Código do texto: T2720379
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