Por que aluno escreve tão mal? 6


O que se observa na vivência em sala de aula é a prática recorrente de um mesmo procedimento de ensino das regras gramaticais, ocasionando as mesmas reações de sentimento frustrante do professor ao detectar resultados considerados deficientes, resultados esses que até recebem a atenção corretiva, mas cujas causas passam ao largo de uma investigação por parte do docente. Segundo Bagno, essas deficiências podem ser ocasionadas por diversos fatores, mas os responsáveis pelo ensino ainda não estão atentos a isso:


“O ensino da língua ainda é feito com base em dogmas, preceitos e regras que nada têm de científicos – e esse é seu maior defeito. Fomos habituados a aprender e a ensinar português como se a língua fosse uma coisa imóvel, pronta, acabada, estática sem nenhuma possibilidade de mudança, variação, transformação. Essa é a atitude dos gramáticos tradicionalistas, exatamente oposta à dos lingüistas, que são os cientistas da linguagem.
[...]
Para o lingüista, ao contrário, o que a gramática tradicional chama de “erro” é um fenômeno que merece ser investigado cientificamente, com métodos rigorosos de análise. Se alguém diz y onde era de se esperar x, é porque existe algum fator que está influenciando essa variação. Esse fator pode ser linguístico, social, étnico, histórico, geográfico, etário etc.” (BAGNO, 2003, p. 65-6).


Se o preconceito pretende distinguir indivíduos intelectualizados dos cidadãos com pouco conhecimento da gramática, os próprios intelectuais não podem escapar às armadilhas do português castiço que enredam até profissionais de áreas cujo domínio da língua escrita é indispensável, como o jornalismo. A partir de uma referência que faz a um texto da jornalista Dora Kramer, Bagno ironiza:

"O mais sintomático, porém, no que diz respeito à relação preconceito lingüístico/preconceito social, é que no trecho final [...] a jornalista escreveu o seguinte:

'Havia receio entre os petistas reunidos [...] com a possibilidade de vir a público gravações [...].10 Como já afirmei, os 'erros crassos' de 'concordância e plural' só são crassos quando cometidos pelos outros, pelos que não pertencem ao meio social da acusadora, pelos que não tiveram o mesmo acesso que ela a uma cultura letrada, pretensamente superior... Afinal, nesse trecho da coluna aparece algo que qualquer gramático conservador acusaria, sem pestanejar, de 'erro crasso', e justamente um erro de concordância verbal – de vir a público [...] gravações! Se são gravações, no plural, o verbo vir, pelas regras da concordância que a jornalista tanto preza, deveria vir também no plural: virem. Então, 'de virem a público [...] gravações. [...]'.

“Receio com”? Não seria receio quanto à possibilidade? Não poderiam os leitores, segundo os critérios da própria jornalista, ter receio com ficar de dor de ouvido diante de tantos 'erros crassos'?" (BAGNO, 2003, p. 23-4).

Esta citação é apenas um exemplo, dentre tantos ocorridos no meio jornalístico, do quanto é comprometedor assumir uma postura de detentor da erudição gramatical, e principalmente, de se posicionar como juiz dos que não possuem esse conhecimento, sob o risco de incorrer no próprio objeto de juízo, ou seja, no erro gramatical.

(continua)