Por que aluno escreve tão mal? 7

Se entre profissionais conceituados acontecem percalços de erros gramaticais, o senso comum mais estigmatizado é o da população consigo mesma, de que não detém um conhecimento aceitável da língua escrita e, por isso, se exclui dos grupos intelectuais da norma culta. Se for este o caso, essa população está aceitando, inconsciente e passivamente, o fato de pertencer a um grupo em desvantagem na sua condição sócio-intelectual, e se acomodando a essa condição, confirmando que, segundo Bagno, o domínio da escrita também é visto como um fator de domínio de classes:

“A Gramática Tradicional permanece viva e forte porque, ao longo da história, ela deixou de ser apenas uma tentativa de explicação filosófica para os fenômenos da linguagem humana e foi transformada em mais um dos muitos elementos de dominação de uma parcela da sociedade sobre as demais. Assim como, no curso do tempo, tem se falado da Família, da Pátria, da Lei, da Fé etc. como entidades sacrossantas, como valores perenes e imutáveis, também a Língua foi elevada a essa categoria abstrata, devendo, portanto, ser 'preservada' em sua 'pureza', 'defendida' dos ataques dos 'barbarismos', 'conservada' como um 'patrimônio' que não pode sofrer 'ruína' e 'corrupção'. Assim, língua não é toda e qualquer manifestação oral e/ou escrita de qualquer ser humano, de qualquer falante nativo do idioma: 'a Língua', com artigo definido e inicial maiúscula, é somente aquele ideal de pureza e virtude. A língua deixou de ser fato para se transformar em valor” (BAGNO, 2001).

Esse domínio em muitos casos se constitui em um elemento subliminar. Por exemplo, no livro “Alfabetização e Lingüística” Luis Carlos Cagliari (1995) exemplifica duas reações distintas de alunos cuja vivência com a leitura e escrita são diferentes, deixando transparecer a ideia que esses alunos pertencem a classes sociais opostas. O primeiro exemplo de Cagliari é o da escrita exigida na escola tornar-se estranha, indesejável e inútil para um aluno de família de classe social baixa, onde a escrita mais familiar pode se restringir à assinatura do nome ou a pequenos recados. O segundo, ao contrário, é de um estudante que não sentirá estranheza em sala de aula por conviver com pessoas adeptas de leituras diversas, familiarizado com livros, revistas, jornais, (Cagliari, 1995, p. 101).

Note-se que Cagliari se refere ao aluno desinteressado pela aprendizagem da escrita como um indivíduo de “classe social baixa”, o que quer dizer, de situação econômica desfavorável e pertencente a um meio familiar no qual a leitura, a escrita e outras formas de manifestação “intelectual” são supostamente negligenciadas. O autor não define o nível social do aluno familiarizado com a escrita fora da sala de aula, mas o fato de ter mencionado a condição social desfavorável do primeiro aluno pode sugerir que o segundo pertence a uma classe “alta”. Se esses exemplos forem verdadeiros, é de se supor que se enquadrariam na crítica do preconceito linguístico e social denunciado por Bagno.

A possibilidade de toda essa reformulação nos conceitos e no ensino acontecerem rapidamente está extremamente comprometida, pois no mínimo são necessários uma conscientização e um consenso sobre mudança de pensamento entre os responsáveis por estabelecer esses conceitos – e pré-conceitos – gramaticais já fixados no ensino da norma culta da língua, e uma familiarização dos professores com as novas ideias que podem surgir.

(continua)