Por que aluno escreve tão mal? (10)


Sobre tipos de textos


Uma das partes mais importantes na revisão do ensino da redação são as explicações dos diversos tipos de texto ensinados ao aluno. Geralmente os livros sobre redação distinguem três: o narrativo, o descritivo e o dissertativo. Com um pouco de otimismo, mesmo que o aluno conheça as diferenças entre esses conceitos textuais, é possível que nunca tenha ouvido falar em dissertação argumentativa, muito menos que pode haver subdivisões dos conceitos dos três tipos de textos. Para Lúcia Santaella, a divisão entre narração, dissertação e descrição representa uma limitação dos tipos existentes e diferenciadores de textos:


“Será que apenas essa divisão em três blocos (descrição, narração, dissertação) é capaz de dar margem à classificação das inúmeras possibilidades de atualização da linguagem verbal? Dos diferenciados matizes que a expressão verbal pode assumir? Não seria possível, então, distinguir uma descrição poética de uma científica? A dissertação einsteiniana de um editorial de jornal? Ou uma narrativa de Guimarães Rosa do livro de aventuras que se lê no ônibus ou à noite para vir o sono? Foi ao nos depararmos com a precariedade dessa divisão [...] que nos surgiu a hipótese de que o interior de cada um desses três blocos permitia (cada um deles) uma subdivisão (subclassificação) também triádica [...] Desse modo, a descrição poderia se subdividir em descrição de primeiridade, de secundidade e de terceiridade, assim como a narração e a dissertação” (SANTAELLA, 1980 p. 194).


Para exemplificar o que seriam essas subdivisões, toma-se aqui a visão triádica (o hipotético, o relacional e o argumentativo) de Santaella sobre o texto dissertativo, por ser este o tipo de redação mais exigido no vestibular:


“Desse modo, relacionamos o discurso dissertativo hipotético (isto é, em nível de primeiridade) [...] Não é,pois, um texto de caráter conclusivo, mas de levantamento de problemas e conjecturas [...].
Já à dissertação em nível de secundidade chamamos discurso dissertativo relacional [...] estamos nos referindo ao discurso que correlaciona suposições teóricas com fatos, e através desses fatos pretende testar a comprovação da teoria [...].
O terceiro tipo de processo dissertativo, que nomeamos discurso dissertativo argumentativo, encontra-se intimamente ligado aos mecanismos do raciocínio dedutivo. [...] O objetivo de tal raciocínio é determinar a aceitação da conclusão” (SANTAELLA, 1980, p. 200-3).


Como se pode deduzir, a falta do domínio das regras ortográficas e até de conhecimento sobre as estruturas e conceitos textuais como o de Santaella se refletem por toda uma situação, e não realmente em um problema dos alunos.

Assim, tenta-se esboçar aqui uma sequência de ações em um esquema exemplificando como as mudanças sobre o ensino da gramática e da redação ocorreriam:

1) Conscientização e consenso entre os gramáticos sobre a necessidade da revisão gramatical e da redação;
2) Reformulações nos conceitos da gramática e da redação;
3) Considerar a motivação no ensino da redação;
4) Prática de ensino de acordo com essas reformulações e através da motivação;
5) Avaliação e discussão sobre os resultados dessa prática no discente;
6) Se os resultados ainda se apresentarem aquém do esperado, sugere-se um retorno aos itens 2 a 5, com pressão não somente sobre a escola, mas em todo o conjunto envolvido, para que os alunos possam ser dotados das “competências para produzir um texto coerente";
7) Nova avaliação sobre o rendimento discente.

Não pretendo definir esse esquema como determinante de uma completa transformação de conceitos (quem sou eu para isso?), nem como o caminho a ser seguido para obtenção de boas redações. Mas, uma experiência com a sequência acima seria um começo interessante, pois, em termos práticos, para que haja uma reformulação no ensino da gramática e consequentemente uma nova configuração no ensino-aprendizagem da escrita, é necessária uma troca de conhecimentos entre todos os sujeitos ativos da área do ensino da língua, com o abandono dos preconceitos existentes entre linguistas e gramáticos, o reconhecimento das competências do outro, valorizando-se esse “outro” como integrante do inteligente coletivo, reconhecendo-se os saberes de todos os seres humanos.


Referências
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