LEITURA DE MUNDO NAS PAREDES DA CAVERNA

Quando Paulo Freire tornou pública a idéia de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, talvez nem imaginasse que seria mais parafraseado do que interpretado. Reducionismo ou banalidade, alguns recorrem à expressão a fim de compensar a atual crise na leitura, já que o pedagogo dissera que, antes de ler a palavra, somos leitores do mundo. Mas, contentar-se com isso, é deixar de admitir que ler o mundo não é uma atividade pacífica, da mesma forma que a palavra não pode ser lida apenas no limite dos fonemas e dos grafemas.

A leitura, entretanto, seja ela do mundo ou da palavra, não está atrelada apenas à capacidade de visão, porque ler não se limita no olhar. Ler o mundo é enxergar o que está impresso nos monumentos. É ser capaz de interpretar as metáforas que se expressam nas paisagens urbanas, ou seja, é ir além e refletir sobre a disposição das ruas, das edificações, das praças, mesmo quando elas não existem. Enfim, é raciocinar com certa razoabilidade acerca da cidade e desse mundo caótico.

A confusão entre “leitura” e “decodificação” do mundo surge porque a vivência dota o homem de condições, por intermédio das quais ele se localiza, raramente se perde, vai ao trabalho, ao mercado, ao shopping, paga suas contas, recebe outras e por aí vai. Entretanto, muito embora esse comportamento possa ser entendido como leitura, em algumas pessoas, noutras, pode não passar de mero automatismo do espírito.

A aceitação indiscriminada de que somos leitores do mundo é, portanto, uma tentativa de negar o mundo de sombras no qual vivemos, uma vez que habitando cavernas estamos subjugados pela ignorância e impossibilitados de contemplar as imagens reais. O nosso mundo, afinal, não passa mesmo de visão fosca projetada na parede de uma gruta, tendo em vista que vivemos no limite da cegueira e esvaziados de opinião. A leitura, como capacidade de ir além dessa aparência, é atribuir sentido. Mas, quanto a isso, nos sentimos incapazes desde há muito, dada a nossa afeição natural e cada vez mais crescente para a superficialidade.

A simples relação com palavras ou imagens não é, então, nenhuma garantia de leitura no sentido estrito do termo, já que estas podem não passar de mera representação ideal do mundo, o que torna difícil sua compreensão. Assim como as palavras, as imagens também se curvam diante da ideologia e servem para persuadir, alienar, escamotear e suplantar a realidade. É algo muito recorrente na igreja, na imprensa, na publicidade, na escola, ou seja, nos textos monitorados que vendem uma visão “positiva” do mundo, independente da ordem ou do caos que nela se estabeleçam.

Enfim, a ilegibilidade não é exclusividade das palavras, da mesma maneira que a incapacidade de visão não é particularidade reservada aos cegos apenas, aliás, o mundo se compõe também daqueles que enxergam melhor quando têm os olhos vazados, relembrando aqui o cego Tirésias, no seu confronto com o arrogante Édipo, cuja visão o empurra para a crescente desgraça.