Podemos falar certo?

Na semana passada, um aluno do Ensino Médio abordou-me e, meio desajeitado (característica própria do jovem aos 16 anos) disse-me: “Professora, tipo assim, essa aí do MEC de aceitar tudo do jeito que fala é paia, né?” Ele falou com indignação e creio que me procurou na tentativa de angariar um aliado para uma “luta ideológica”. Outro rapaz que o acompanhava também acrescentou, mas este o fez cheio de solenidade: “Professora, o livro didático é nosso referencial. Como conviver, até nos livros, com a linguagem popular se nos concursos e vestibulares teremos de mostrar domínio da norma culta? Incoerente, né?”

O que o primeiro jovem disse com a expressão “paia” consiste num vocábulo para expressar algo ridículo, estranho, bizarro. Essa é a avaliação, feita por ele, sobre a distribuição de livros didáticos que admitem “os peixe”. O interessante é que, por mais que os jovens não utilizem a modalidade padrão da língua em suas atividades comunicativas diárias, ele a aprecia, ele a vê de forma positiva e, em alguns casos, nota-a inatingível. Esse mesmo jovem, com seu jeito desengonçado, fazendo o estilo de que pouco se importa com a linguagem, é um dos militantes contra o Ministério da Educação. Se fizesse uma análise somente na perspectiva da linguística, diria, com referência a Marcos Bagno (Linguísta, Doutor, professor da UNB), que a fala desse jovem faz parte do discurso de senso comum, impregnado de concepções arcaicas sobre linguagem e preconceitos arraigados socialmente, mas há controvérsias, pois o país todo deve se empenhar para que a modalidade padrão seja acessível a todos.

Gostaria de ressaltar meu apreço às variantes linguísticas e creio que a linguagem popular possui função e beleza, não precisa, porém, ser incentivada, visto que já é amplamente difundida no seio familiar e social, conforme afirma o professor José Fernandes (Crítico, Poeta, Doutor em Letras pela UFRJ), todavia fomentá-la através dos livros didáticos é atestar nossa incapacidade de ensinar e incentivar a linguagem formal. Fato que comprova isso é que temos inúmeros analfabetos funcionais, isto é, crianças que saem do Ensino Fundamental sem condições básicas – fundamentais – para lidar com as novas aquisições cognitivas por vir. O atraso se arrasta, visto que do Ensino Médio também saem jovens incapazes de ler e realizar operações primárias. Por que esse aluno não aprendeu? Por que não ficou retido na série anterior a fim de alcançar êxito? Não defendo a reprovação, apenas suscito que nosso sistema educacional é negligente, omisso e demagógico.

O que nos parece é que, de repente, sentimos necessidade de fazer o caminho inverso: se não conseguimos ensinar a ler e escrever, valorizemos a linguagem popular, logo teremos a falsa sensação de que todos têm acesso à mesma escolaridade, pois “dominarão” a língua no dia-a-dia. Alegoricamente, é como se o país passasse a permitir a entrada de produtos pirateados para garantir que todos tenham acesso a alguns produtos. Não seria mais coerente, rever a carga tributária de produtos, criar empregos, melhorar a distribuição de renda? Seguindo o mesmo raciocínio, não seria mais fácil investir mais em educação? Para Luiz Percival Britto (1997) “O papel da escola deve ser o de garantir ao aluno o acesso à escrita e aos discursos que se organizam a partir dela”.

“A escrita deve ser como se fala” essa defesa a favor do livro de Heloisa Ramos é ignóbil, visto que a escrita, apesar de não se fazer única, possui características diferenciadas da fala. A sua sintaxe se organiza de maneira clara e explícita, pois constitui o fator contexto, que difere do modo como se dá na fala, vez que nesta a sintaxe sofre a interferência do interlocutor e na escrita poderá ocorrer a reorganização das construções sintáticas.

Portanto, não proponho a fomentação do preconceito linguístico, o realce é para que a norma culta chegue a todos os falantes, pois dessa forma, a linguagem popular será uma opção e não a única maneira de se comunicar, tanto na oralidade quanto na escrita.

Assim, aquele estudante, ansioso por alguém que compartilhe de seus pensamentos, terá a certeza de que receberá um ensino convergente com o que lhe será cobrado em concursos e vestibulares, entrevistas de emprego.

Rosimeire Soares
Enviado por Rosimeire Soares em 21/06/2011
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